A Música da Minha Vida
- Gisele Alvares Gonçalves
- 24 de set. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 26 de mar. de 2021

Olá galera, tudo bem com vocês? Com muito orgulho, trago aqui a primeira resenha deste site, estreando um novo canal para falarmos sobre séries e filmes. Afinal, quem não ama fazer uma boa maratona na Netflix hoje em dia, não é mesmo? E quem não fica entusiasmado para comprar uma pipoca antes da sessão de cinema, e depois tentar resistir às benditas até a hora em que acabam as propagandas? Sim, a nossa equipe também tem estas mesmas emoções diariamente, e por isso decidimos trazer as nossas críticas sobre produções cinematográficas para vocês.
Para estrear o site, fui ver o longa-metragem A Música da Minha Vida, que está rolando no cinema desde o dia 19 de setembro. Acredito que não poderia ter escolhido filme melhor, pois estamos falando aqui de uma obra de arte sensível e profunda, que lida com várias questões humanas como preconceitos, descoberta de identidade, conflitos com a família e dificuldades causadas pela pobreza. Sendo um filme biográfico, já é de se esperar que vários aspectos do personagem principal sejam abordados, mas o que surpreende é a qualidade com que cada um destes tópicos é aprofundado. Não é a toa que estamos falando de uma produção de 118 min, o que quer dizer que são quase duas horas de filme! Neste tempo, acompanhamos todos os dramas e alegrias do jovem Javed Khan, bem como suas provações e conquistas.
Acredito que várias pessoas podem ver o filme e se identificar com o personagem principal, pois ele enfrenta muitos dos dilemas que nós vivemos, ou já vivenciamos em nossa adolescência. Quem nunca teve um ídolo através do qual descobriu a si mesmo? Pode ter sido um cantor, um ator, ou um grupo musical, mas a maioria já passou pela experiência de nirvana que é encontrar alguém que parece escrever diretamente para a nossa alma. Neste sentido, não posso deixar de mencionar o quão bem dirigida foi a cena em que Javed escuta pela primeira vez a música de Bruce Springsteen, na qual foram utilizados recursos como projeções das letras em paredes, enquanto o protagonista ouve Dancing in the Dark em meio a uma tempestade. É uma cena bastante conceitual, como necessitava ser para representar algo tão interno quanto as sensações do personagem, e também bastante significativa, uma vez que, após escutar a música, Javed reencontra seus poemas jogados ao vento, demonstrando um reencontro também com sua própria essência.
Explorando um pouco mais a questão da direção do longa-metragem, interessante apontar que este não é exatamente um filme musical, mas algumas cenas possuem sim um tratamento deste tipo, com os personagens cantando e dançando na rua de uma forma bem lúdica e fictícia. Particularmente, eu gostei muito dessa mistura de estilos, pois mostra que, através de todo o drama de Javed Khan, quando a música de Bruce Springsteen toca, ele pode viver dentro daquela melodia e se soltar mais, extravasar os seus sentimentos como raramente ele conseguia antes de conhecer este cantor. Acredito que funcionou muito bem este tipo de direção para impulsionar a história, para dar significado às cenas e para nos mostrar o quão rica é a arte cinematográfica, que nos dá a possibilidade de sempre ver os mesmos sentimentos tratados de formas diferentes.
Sem dúvidas, no entanto, a relação mais intrigante é a que o protagonista mantém com o seu pai, pois apesar de amar com todas as forças o seu progenitor, Javed está em constante conflito com ele, sentindo-se preso em um mundo do qual não deseja fazer parte. Ele tem o sonho de viver de sua escrita, e sua professora de inglês o incentiva nesta direção, mas o personagem vem de uma família paquistanesa muito tradicional, a qual não estava inclinada a deixar que este sonho virasse realidade. Apesar de compreendermos o desejo do rapaz de ter sua própria vida e seguir suas ambições, somos também levados a compreender os motivos deste pai rígido em suas ordens, que está vivendo uma situação financeira complicadíssima, e apesar disso quer dar o melhor para os seus filhos. O homem simplesmente não vê na escrita uma possibilidade de ganhar dinheiro, e estando preso na realidade de seus problemas como ele se encontra, qualquer risco que Javed possa correr não é considerado válido para ele. É indiscutível o amor que o pai tem por seus filhos, e o desejo de que estes sejam felizes e bem sucedidos.

A cena mais dramática do filme, inclusive, acontece de uma forma bastante corriqueira, quando a mãe do Javed está ajudando seu esposo a pintar os cabelos. Esta ação poderia ser trocada por outra no roteiro, sem prejudicar seu significado? Não, pois o tingir o cabelo significa a passagem de tempo imperdoável, tempo este que sempre nos faz refletir se fizemos tudo o que poderíamos ter feito. Nesta cena, o homem confessa para sua amada o quão angustiado está por não ter um emprego, por não poder colaborar com as contas da casa, por ter que assistir à sua esposa se matar trabalhando sobre as costuras e não poder fazer nada. Ele se angustia, então chora, um choro de uma pessoa que se sente impotente frente à situação, e deprimido por ver o seu sonho morrer bem à sua frente.
Não posso dizer o quanto esta cena é poética, e o quanto ela toca os nossos sentimentos, podendo levar às lágrimas. Não que esta seja a única... Como eu disse antes, trata-se de uma produção sensível às emoções humanas, trabalhando com elas de uma forma bastante profunda. Isso nos leva a debater a questão do preconceito, que é abundantemente abordada neste filme. Ao ver o ano de 1987 através dos olhos de um imigrante paquistanês, somos levados a pensar a respeito da intolerância que estas pessoas enfrentavam na Inglaterra, tendo sido agredidos por adultos e crianças, de todas as formas possíveis. Como deve ser duro correr o risco de ser atacado a qualquer momento, em qualquer lugar que se vá! De não ter o direito à sua cultura reconhecido, de não ser bem-visto por se pertencer a outra religião. Javed sempre havia enfrentado tais situações de cabeça baixa, sem retrucar nada, mas quando conhece Bruce Springsteen ele entende que tem tanto direito quanto qualquer outro inglês de ter uma vida tranquila, e de não deixar que ninguém possa interferir negativamente neste direito.
Sendo assim, Javed está preso entre o preconceito de alguns ingleses e a rigidez de sua família paquistanesa. Não apenas ele, como todos os jovens filhos de imigrantes asiáticos... Tanto isso era uma verdade que, como um favor que ele devia à sua irmã, ele a levou a uma “festa diurna”, feita especificamente para jovens paquistaneses que matavam aula para poderem se divertir, uma vez que esta era a única forma de poderem ter esta experiência. Durante a festa, o protagonista parece um pouco incomodado e põe os fones de ouvido, de forma a escapar da música da sua terra ao escutar Bruce Springsteen, mas chega um momento em que ele percebe que, para ser fã de Bruce, não é necessário ser completamente alheio a todo o resto do mundo, então desliga o fone e vai dançar com a irmã, passando dessa forma a entender melhor o mundo dela. Este é um filme sobre descoberta de identidade, mas também sobre crescimento pessoal. A maior lição que Javed aprende, na minha opinião, é que existe um equilíbrio sobre querer ser ouvido e ouvir as outras pessoas, buscar o nosso lugar no mundo mas não esquecer aqueles a quem amamos. Para alguns indivíduos, estas duas tarefas são bastante complicadas, outros pendem apenas para si mesmos e esquecem quem está ao seu redor... em todo o caso, é um desafio e tanto manter a harmonia de nossas relações interpessoais! Ter um mundo próprio, mas conhecer e respeitar o mundo alheio, entender que o que nos toca não necessariamente vai tocar nossos conhecidos, e fazer com que haja respeito mútuo entre todas estas diferenças, este é o grande trunfo na vida de que poucos sabem desfrutar. Ainda assim, este filme nos lembra de que devemos sempre continuar nos esforçando, porque são as pessoas que amamos que nos dão motivo para continuar vivendo.

Espero que tenham gostado desta resenha! Tentei abarcar o mais que pude de todas as camadas do filme, mas se quiserem acrescentar algo podem se sentir livres para deixar um comentário, pois iremos adorar responder cada um deles. Um beijo a todos, e até a próxima!
Comentarios