A Velha Nova Face do Terror
- Ana Franskowiak
- 3 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2021
Saudações Cósmicas!
Com qual frequência você enfrenta seus medos? Ou, com qual frequência você
se pergunta o que e por que lhe causa medo?

Estava eu em busca de recomendações literárias, mesmo não tendo lido, até
então, metade dos volumes físicos empilhados na minha mesa de cabeceira, quando,
assistindo ao canal Pipoca Musical, da Raquel Moritz, deparo-me com Nós, de Yevgeny
Zamyatin, e decido adicioná-lo à tão longa lista, convencida pela sinopse impactante e
perturbada por certa afirmação, que mais ou menos reproduzo de memória: quando nos
identificamos com distopias, é porque a água tá batendo na b**** faz tempo. Pouco
depois, guiada não sei por qual conexão mental, recordo-me da minha adolescência.
Mais precisamente, do quanto eu me exultava a cada episódio de Night Visions
enquanto, não raro, deplorava-me com Além da Imaginação, que só fui capaz de
apreciar depois de atingida determinada idade. Tudo bem, e o que isso tem a ver com o
direcionamento das produções de terror dos últimos anos? Absolutamente tudo!
Há algum tempo entabulei um debate com um amigo da escrita (em certo
estabelecimento muito estimado pela comunidade artística) regado a excelentes drinks,
no qual, dentre tantos outros pontos, discorremos acerca do controverso termo Terror
Psicológico, tangenciado por mim ao pagar tributo em forma de texto aos clássicos do
Trash e do Slasher, tão caros à minha formação artística. Acaso o terror, assim como
todos os demais gêneros, não apenas do audiovisual, mas de toda produção artística
engendrada pela humanidade, não visa, dentre outros aspectos, o impacto psicológico,
conforme preceitua a filosofia desde a antiguidade clássica? E não seria o medo um dos
aspectos psicológicos mais importantes da psique humana, sendo suscitado mesmo na
cena apoteótica de um romance dito clichê, diante, por exemplo, da hipótese de morte
de protagonistas? Ocorre que coisas diferentes despertam medo em pessoas diferentes.
E essa percepção depende da vivência individual e da abordagem adotada.

Creio com veemência que a mutação é fator indispensável e inerente a tudo que
vive e almeja se perpetuar, não significando que toda mudança simbolize melhoras. No
caso em questão, felizmente, não tenho queixas, mas provas de que a Nova Face do
Terror, além de não ser tão nova assim, se revela mais do que oportuna.
De modo bastante resumido, o terror clássico se detém no confronto do ser
humano com experiências extremas, ainda que dentro de certas molduras, pois tomar
susto é bom, desde que não ultrapasse certos limites, não é mesmo? Deparamo-nos com
situações que desafiam a fé e a lógica com violência explícita que foi, por sua
banalização e contextos absurdos, esvaziada, e com monstros alienígenas, não
necessariamente por terem vindo de outros planetas, mas por estarem alheados do
considerado normal: nós. Mas e se nós formos anormais para os padrões dos então
monstros? E se nós estivermos nos considerando parte do que nunca fomos, ainda que
sempre e amargamente sabendo disso, e fazendo de tudo para disfarçar que estamos
mais perto do “lado de lá”?

Não. Esse texto não é uma renúncia ao clássico, e sim um convite a enxergá-lo,
assim como seus atuais e suculentos frutos, com novo e abrangente olhar. Nem por um
instante eu ousaria sugerir que não há por que temer um sujeito mascarado portando
objetos cortantes e investindo contra mim, por exemplo. Entretanto, todavia, porém,
enquanto a chance (ainda bem!) de nos encontrarmos com um tipo desses é quase nula,
por que não temer e, portanto, se precaver de ameaças mais frequentes e traiçoeiras,
como certas pessoas socialmente benquistas que se divertem ou já não sentem nada ao
desumanizar a outrem aos poucos, teoricamente sob as melhores intenções e aplausos
gerais, usando todos os estereótipos a seu favor? Pessoalmente, sinto mais medo de
quem classifica Corra! de 2017 como comédia (não me perguntem como) do que de
qualquer objeto que caia do céu, criatura insepulta ou possessão demoníaca. Por falar
em demônios, clássicos e lobos em pele de cordeiro, sugiro ver ou rever O Bebê de
Rosemary. Não há pacto com entidade infernal que se afigure mais aterrorizante que o
casal Castevet, ou a cena do consultório e, principalmente, a cena da cozinha.
Obras que há não muito tempo seriam enquadradas como drama, ação, distopia
ou, no máximo, suspense, começam a se abrigar sob esse amplo guarda-chuva trevoso
chamado terror, com toda justiça. Por acaso existe algo mais medonho e factível que a
existência de governos ditatoriais de quaisquer orientações, ou o estado de necessidade
que leva pessoas a cometerem atrocidades, como em Bacurau (calma que lá vem texto
só dele!)? A figura do monstro, metafórica e repaginada, serve hoje menos ao susto e
mais à própria origem do substantivo: mostrar. O quê? A monstruosidade feita norma
que, após longa incubação, explode diante dos olhos, inclusive dos que vinham se
mantendo fechados com obstinação, como o sangue em uma clássica cena gore e que
anuncia a chegada triunfal dos clássicos vindouros.
Esse texto foi concebido ao som de Road to Hell de Bruce Dickinson e Don´t
Talk to Strangers de Dio. Ouçam a mensagem dos mestres, tenham cuidado com o mal
feito pelas pessoas ditas do bem e do widzenia.
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