Especial de ano novo - Moulin Rouge!
- Gisele Alvares Gonçalves
- 30 de dez. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de fev. de 2021

Olá, boêmios e vedetes do meu coração, como vocês estão? Animados para o reveillon? Como foi o ano de vocês? Nesta data tão especial, o site No Escurinho do Cinema está fazendo uma comemoração cheia de resenhas gostosas de se ler, trazendo a vocês algumas reflexões sobre filmes que abordam a virada de ano. É para maratonar, não é mesmo? Ainda mais neste ano que, devido à pandemia, muita gente vai passar as festas em casa, assistindo a um filme para entrar no clima da virada. Minha contribuição para este especial, como não poderia deixar de ser, é o filme Moulin Rouge!, um dos queridinhos da minha adolescência, que me emociona sempre que eu o revejo… Ainda que eu já saiba as falas de cor. E aí, quer conhecer mais sobre essa obra? Segure os seus diamantes, então, e vem comigo!
Para começar, preciso comentar uma curiosidade muito interessante: para quem não sabia, o Moulin Rouge! é uma produção concluída no ano de 2001, ou seja, no início do século XXI, quando as apostas e temores sobre o século vindouro ainda estavam ocupando o imaginário coletivo. Tendo isto estabelecido, pode-se facilmente perceber que não foi à toa que Baz Luhrmann, diretor e roteirista da obra, escolheu situar a história de amor entre Christian e Satine nos anos de 1899-1990, exatamente na virada de outro século! No próprio filme, o personagem-narrador Christian diz que vai contar uma história de amor, mas este é um pensamento simplório. Aqui, então, proponho-me a mostrar as várias camadas psicológicas que este enredo proporciona.
O primeiro fator a ser tratado nesta resenha é o conceito que o diretor criou para a obra, que é a de cena-sonho. Todo o musical traz em si o germe da inveracidade, porém nunca em níveis tão gritantes quanto neste filme. Esta construção é proposital, de forma a fazer com que o expectador não estranhe o fato de que os personagens falem cantando. Não é somente esta, contudo, a razão para a irracionalidade das cenas. A história, na verdade, está sendo recriada na mente de Christian, então estes ambientes irreais ajudam o expectador a entender esta subjetividade da trama, que é a representação interna do personagem.

Para um olhar atento, portanto, não escapará o entendimento de que o filme é perpassado pelo conceito de retrospectiva. Já a primeira cena do longa, a propósito, é o final da estória, quando Toulouse Lautrec canta sobre o menino que conheceu (nota-se o emprego nos verbos no passado da música) e um Christian já decaído é apresentado escrevendo o seu passado recente, aquele que abarca um ano transcorrido. Portanto, toda a história do filme acontece no passado, mesmo em relação ao próprio filme. Vale notar, também, que é o próprio Christian quem conta a sua história, ou seja, ele está relatando suas experiências através de suas recordações, que é um viés diferente daquele vivido. Sua narrativa, portanto, ao fim da tragédia, vai ser permeada por um extremo pessimismo, fato que faz sentido se lembrarmos que seu relato abarcará muito pouco do que acontece durante o ano de 1899, sendo que a maior parte da história acontece no ano de 1900, o ano das mudanças, expectativas e incertezas.
O filme, no entanto, não é apenas sobre um ponto de vista de um escritor fictício, mas sim sobre a expectativa do século XXI projetada para o passado, na virada do século anterior. O longa Moulin Rouge! pode ser utilizado para entender o imaginário coletivo, os sentimentos e visões que as pessoas possuem nestes tempos de mudanças, sobre a própria passagem do tempo e sobre a História. Assim possuímos um filme que retrata a virada de um século já conhecido, o século XX, e podemos acompanhar a trajetória dos protagonistas e seus comportamentos diante deste novo ciclo, já sabendo como aquele tempo vai acabar. O filme representa para o expectador o conhecido, exatamente o que se precisa quando se está adentrando em um campo incógnito, e ao mesmo tempo proporciona um sentido de identificação com aqueles personagens que estavam passando por uma situação semelhante.
A expectativa, assim, pode ser analisada na escolha do repertório do longa: Ainda no ano de 1899 podemos encontrar músicas como Lady Marmalade, Diamonds are the girl's best friends, Rhythm of the night, Your song e Spectacular Spectacular. Estas músicas retratam um estado de espírito vibrante, despreocupado, luxurioso (tanto no aspecto sexual quanto pela compulsão por objetos materiais, em especial os diamantes). Aliás, é exatamente nesta primeira fase em que vemos o Moulin Rouge em seu auge de luxúria, e as coreografias e a fotografia vão expressar de forma exemplar este mundo. O Moulin Rouge, como foi apresentado para Christian em 1899, não tinha começo nem história, como se representasse todo o espírito lascivo da humanidade até então. Assim, os personagens do cabaré também não possuem passado. Satine sempre fora uma grande vedete e Zidler sempre teve desejo de transformar o Moulin Rouge em um teatro. Os personagens originários de Paris são tão arquétipos que alguns deles nem mesmo possuem nome, como o duque e o argentino.
Christian, no entanto, além de ter um passado (representado através de seu pai e sua vinda da Inglaterra para Paris) é o único elemento que rompe com esta linearidade. Se não fosse por ele, Audrey não seria demitido, os boêmios não teriam recorrido a Satine para conseguir aprovação para o novo escritor e, de certa forma, nem mesmo o duque teria se apaixonado pela cortesã (afinal, foi somente quando ela recitou-lhe a poesia de Christian que seus olhos brilharam). A vinda de Christian para Paris e, em específico, para o Moulin Rouge faz a engrenagem girar e os fatos até então latentes começam a desenvolver-se. O jovem poeta, dessa forma, representa a modernidade: aquele que distancia a experiência da expectativa e busca sempre por algo novo (o próprio personagem pede para que Satine avisa que a sua poesia é "bem moderna"), e foi exatamente este espírito de inovação que o leva de sua cidade natal. Ele representa tão bem a modernidade que chega a ser chamado de "a voz dos filhos da revolução". Christian e a modernização, no entanto, somente chegam na virada do século, quando tudo começa a mudar.
Logo em seguida à virada do ano, no entanto, conseguimos notar uma mudança da esperança para o pessimismo. A primeira música a tocar nesta segunda fase é One day I'll fly away, que a princípio parece uma expectativa de mudança, mas logo em seguida questiona "por que viver a vida de sonho em sonho e temer o dia em que o sonho acaba?". If I should die this very moment, mais tarde, vai repetir esta indagação, que é a linha mestra desta segunda metade do longa. Come what may, que é a música secreta dos amantes, também traz consigo uma carga negativa, pois é uma canção que busca superar os momentos difíceis vividos pelos dois. El tango de Roxanne talvez seja a cena mais impactante sobre este pessimismo que vai se acelerando no filme, e também a mais emblemática. Trata da prostituição de uma forma mais vil, da raiva, da traição, do ciúme e de todos os sentimentos negativos que podem derivar do amor e, também, de uma forma subliminar, trata da morte, pois ao final da coreografia o argentino encena o assassinato de Nini.

É importante, neste espaço, ressaltar a representação da morte durante o longa. Desde o começo o expectador entra em contato com este tema, pois logo que lhe é apresentado Christian, este diz que sua amada está morta. A partir desse momento, várias vezes podemos acompanhar o desenvolvimento da doença de Satine e, mais importante, flashes da cena em que ela morre. Não se pode esquecer que tudo está nas recordações de Christian, mesmo o momento derradeiro da cortesã, mas ele vai cruzando estas informações e mostrando-nos um quadro de desesperança durante todo o filme. Este fato nos mostra, também, como o Christian lida com suas memórias e seu passado diante das expectativas do presente.
A fool to believe, por fim, marca o dia tão temido, em que todos os sonhos se acabam e, de forma muito emblemática, logo em seguida Zidler canta The show must go on. Um fato interessante é ver, na segunda metade do filme, uma nova versão de uma música que foi cantada ainda na parte que representa 1899, que é Diamonds are the girl's best friend, mas agora como Hindi sad diamonds. A mesma situação se apresenta para Satine, mas decorrido um ano ela se relaciona com esta experiência de uma forma diferente da expectativa que ela teve no passado, o que fica muito claro através da atuação da Nicole Kidman, das novas modelações da melodia e também da própria fotografia, que torna-se obscura e pesada, com figurinos muito mais viscerais do que na primeira vez. Aqui mostra-se claramente que a expectativa e a experiência de Satine não coincidiram.
Assim, voltamos à primeira cena, quando Christian começa a escrever, para explicar cronologicamente o filme. Durante o longa, principalmente com as músicas Lady Marmalade e Diamonds are the girl's best friends nós vimos o Moulin Rouge em seu auge do esplendor, cheio de vida e das cores mais exuberantes, e é assim que o passado se mostra na mente do jovem poeta. O presente do cabaré, no entanto, apresenta um Moulin Rouge depredado em preto e branco (mais uma representação de morte e perda do filme), como também o é a cena em que Toulouse canta sobre o moulin (moinho). Essa decadência do presente, que se projeta para o futuro, faz parte do crescente pessimismo que o filme vai adotando e que representa a expectativa para o próximo século para Christian e também para o expectador do ano de 2001.
O Moulin Rouge! é "uma estória sobre um tempo, uma estória sobre um lugar" que representa as experiências e expectativas das pessoas. Dessa forma, pode-se entender que o imaginário coletivo no início do século XXI firmava-se no temor de um século de prostituição, de raiva, de traição, de ciúme, de todos os sentimentos negativos e também de morte, um tempo em que os sonhos acabariam (bem como foi o século XX), mas, quaisquer que forem as dificuldades as pessoas terão que enfrentá-las e superá-las, afinal de contas...O show tem que continuar!
E aí, gostou da resenha? Comente aqui embaixo o que você acha sobre este filme, e se concorda com a interpretação dada aos elementos do longa nesta resenha. Por enquanto, no entanto, vou-me embora… Deixo um beijo e um queijo para vocês, e uma vontade imensa de que possamos nos reencontrar em outras resenhas. Até a próxima!
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