Noite de Halloween com Mary Shelley
- Gisele Alvares Gonçalves
- 31 de out. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 16 de dez. de 2020
Boa noite, senhoras e senhores… Tudo bem com vocês? Estamos aqui com mais um filme de drama histórico, e dessa vez comemorando o Halloween! E como esta data poderia ser mais perfeitamente homenageada do que com a presença de Mary Shelley, a própria escritora do livro Frankenstein? Pois eu vou dizer a vocês que o filme, que estrela Elle Faning no papel principal, me surpreendeu pra caramba, e me emocionou como há muito um drama épico não emocionava! Foi a veracidade do desejo pela poesia, pela paixão que arde na alma, pela beleza terrível da noite que vibrou em cada palavra, em cada ato dos atores, que apelou ao meu coração. Sim, eu sei que o vício é sempre algo a ser condenável, qualquer que seja ele, mas diante da arte a moral se torna escorregadia, a razão, fugaz. Mary. Shelley. Dois belos nomes para uma garota tão nova, tão inexperiente, tão plena de desejos pueris… Não tão plena, no entanto, a ponto de não sofrer a desilusão, a perda e, de certa forma, o arrependimento. Não, a boemia não é bela, e no entanto ela é. Há algo macabro que sempre torna os demônios – e os monstros – fascinantes aos nossos olhos de mortais.
Mary admirava os atos de sua mãe, mas nunca soube os terríveis preços que ela teve que pagar por ser livre. Ela acreditou que a paixão seria como uma eterna lua de mel, e aprendeu da pior forma que, quando se ama um poeta, um boêmio, um ser desacorrentado das leis sociais, o amor em si não é garantia de nada. Mary não podia esperar por fidelidade, nem por controle financeiro de alguém que não tinha controle das próprias emoções! E ainda assim, apesar da dor do luto e da depressão, ela ressurgiu do mundo dos mortos como uma fênix… Como a obra de seu próprio Frankenstein, Ela era, em suma, sua própria criatura, ainda que alquebrada e remendada por um homem insano.
Confesso que fiquei curiosa para saber por que a Mary Shelley não criou personagens femininas, afim de representar-se melhor na sua própria história. Eu sei que eu, por exemplo, tenho essa necessidade de criar personagens que me representam em tudo, e não apenas no emocional. Ainda assim, Frankenstein era uma metáfora para sua vida, apenas completamente compreendida por aqueles que sofreram dos mesmos males que ela. E você, já esteve tão enterrado em um amor errôneo que apenas lhe fez mal? Já dedicou seus sentimentos e alma para alguém que não fazia o mesmo, ou pior, brincava com suas emoções? Se sim, você já se sentiu como um monstro alquebrado, morto sem conseguir descansar em paz. Ao menos no final Mary e o sr. Shelley se acertaram, vivendo uma vida que, ao que o filme indica, foi plena de carinho, senão de dinheiro. E você, conseguiu achar este final feliz?
Mas chega de divagações, vamos ao filme de fato! Que tal começarmos falando do elenco, hein? Porque nele temos grandes nomes conhecidos… Alguns, talvez, que você não se lembra só de ver escrito na tela, mas que, conforme formos abordando aqui, tenho certeza que vão te fazer ficar chocados! A começar, é claro, pela Elle Fanning, mais famosa impossível. Afinal, quem não viu sua atuação como Bela Adormecida em Malévola, e como Catherine em The Great? Seu talento faz jus à sua beleza, e à grande lista de trabalhos que ela colecionou no IMDB. Para ela, então, nenhuma introdução é necessária. Mas e quanto aos outros?

Uma presença que me pegou de surpresa em Mary Shelley foi, de fato, a Joanne Froggat, que no filme interpreta a detestável Mrs. Godwin, madrasta da Mary, mas que já interpretou também o docinho de pessoa que foi a Anna Bates em Downton Abbey, mostrando a versatilidade da artista, que acaba por sempre me impressionar pela verdade em suas feições. Aliás, para quem não sabe, ela também interpretou a personagem Kate em Robin Hood, que acaba sendo o último interesse amoroso do protagonista, ainda que não tenha se tornado OTP. Pra falar a verdade, foi nessa série que eu conheci a atriz, e já de saída amei o seu trabalho. Talvez um dia eu faça uma matéria sobre ela.
Também temos, é claro, a dupla que conhecemos de Game of Thrones, que é o Stephen Dillane (Stannis Baratheon) e a a fofa da Maisie Williams. Vou confessar, no entanto, que apesar de achar os dois bastante talentosos, eles acabaram por me decepcionar um pouco em Mary Shelley. A começar pelo Stephen Dillane, que interpretou o pai da Mary, de quem eu esperava muito mais expressividade, em especial na cena em que a protagonista confronta o homem em relação a seu amor por Shelley. Eu entendo que ele escolheu tornar o personagem uma pessoa muito mais melancólica do que efetivamente passional, porém não acho que essa escolha tenha funcionado, em especial na cena citada acima. Para mim, era necessário maior dramaticidade da parte do ator, o que fez com que eu ficasse frustrada em relação à sua escalação. Já quanto à Maisie… Bom, nada a dizer sobre a sua atuação, apenas sobre o seu sotaque escocês. Não que eu seja expert no assunto, longe disso! Mas como alguém que viu muito Outlander, eu acabei achando o sotaque dela bastante artificial, o que me fez perder um pouco da imersão nas cenas em que ela aparece. Talvez a atriz tenha tido pouco tempo para se preparar para o papel, mas ainda assim acabou me brochando.
Um ator que se destacou bastante foi o Douglas Booth, que mostra toda a sua versatilidade ao interpretar personagens bem diferentes. Se quiserem conhecer mais sobre sua carreira, aconselho a verem Com Amor, Van Gogh, onde ele interpreta o Armand Roulin, protagonista do filme. Também podemos ver o seu talento em Pilares da Terra, em que ele interpreta o banana do Eustace com maestria.
Sobre o personagem do Douglas Booth, Percy Shelley, eu tenho algumas coisas a falar também. Quero dizer, ele me irrita às vezes, porém eu entendo perfeitamente por que a Mary se apaixonou pelo cara. Afinal, como não amar alguém de cuja alma transborda poesia? Como não querer manter tal pessoa perto de si, e viver de forma poética como só se consegue ao relacionar-se com um escritor? Isto, ao menos no começo, é excitante, mas não basta para tornar qualquer vida plena. Afinal, da mesma forma que é impossível resistir ao poeta, é igualmente impensável continuar a amar um bêbado falido, que acaba por ser ofuscado à luz do muito sóbrio, muito inteligente e muito empático dr. Polidori. Sinceramente, eu achei que a protagonista iria separar-se do sr. Shelley para ficar com o rico e nobre (o cara era um duque, véi!) doutor, porém fiquei triste e feliz ao mesmo tempo ao perceber que este não foi o caso. Fiquei chateada porque, cara, que ship daora seria ela e o Polidori, mas feliz por saber que o filme conseguiu reatar a Mary e seu marido com dignidade, provando que, quando há vontade, pode haver amor.

Um ator que, para mim, era desconhecido até então, mas que deu um show de atuação foi o Tom Sturridge, que interpretou o lord Byron. Cara, que caras e bocas, que perfeita demonstração da espontaneidade boêmia e egocêntrica! O que nos leva a falar, consequentemente, sobre a construção de personagem tão icônico. Confesso que, para um autor que eu admiro pra caramba, eu esperava um personagem muito mais carismático, sombrio e introspectivo. Surpreendi-me demais ao me deparar com o devasso do Byron deste filme, ainda que não ache que tenha sido uma má escolha de direção… Na real, foi a escolha perfeita para o tom do longa, que quer representar o quanto a Mary sofre diante de tal presença. Ainda assim, fiquei chocada ao ver um diabinho tão egoísta como lord Byron, sendo que ele escreveu poesias tão sublimes como She Walks in Beauty. Por isso, dou meus parabéns ao ator: ele conseguiu cumprir com o intento do roteiro com sucesso, que era fazer com que amássemos odiar o personagem.
Agora que já falamos bastante do elenco, vamos falar um pouco da direção. Olha, para um filme tão emocionante quanto este, confesso que achei a direção bastante pobre, tanto que mal temos cenas em que possamos apontar a fotografia como importante. Tirando o momento em que Mary Shelley efetivamente está escrevendo o livro Frankenstein, em que aparece a tinta do nanquim na tela, não existe nada de muito especial. Até isso, se a gente for parar para pensar, não trouxe nenhum significado emocional ou psicológico sobre a personagem! Quero dizer, foi algo diferentão? Foi. Foi algo que ajudou a dar um ritmo diferente para um momento importante? Sim. Foi algo que trouxe, por si só, uma carga de significado que, tirando o roteiro, ajudou a contar a história? Não. Ou seja, as tomadas não ajudam a contar os sentimentos da personagem, nem a entrever verdades não ditas pelo roteiro… Na real, toda a história está nas falas e na atuação dos atores, e o resto é apenas praticidade. De fato, esperava bem mais deste departamento.
É uma pena que tudo isto tenha que ser dito, afinal a Haifaa Al-Mansour (diretora do filme Mary Shelley) é uma guerreira só pelo fato de estar dirigindo obras cinematográficas, sendo ela a primeira diretora de longas-metragens da Arábia Saudita. Por isso eu digo que, apesar das minhas críticas, eu ainda acredito no potencial da diretora, e espero que ela continue treinando até, de fato, mostrar-nos algo completamente inovador e cheio de significados. Tenho fé que ela irá conseguir.
E aí, gostaram do filme? Acharam esta uma boa escolha para representar o Halloween? Digam aí abaixo o que pensam sobre os meus comentários, e se também notaram que a Haifaa Al-Mansour ainda tem muito para se desenvolver. Por hora, no entanto, eu deixo um beijo e um queijo a vocês, com uma grande esperança de que possamos nos encontrar em outras resenhas por aqui. Volte sempre, e até a próxima!
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