Por que (não) ver The Great
- Gisele Alvares Gonçalves
- 21 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2021
Olá, imperadores e imperatrizes do meu coração, como vocês estão? Bem, estou aqui hoje para falar de The Great, estreia da Hulu mais esperada do ano, porém que veio a decepcionar fortemente em aspectos essenciais. Sim, a atuação de Elle Fanning e do Nicholas Hoult foi brilhante, nada a reclamar deste aspecto! Também a cenografia e a fotografia estavam incríveis, outro ponto bastante forte da série. O foi um balde de água fria, em especial para mim, foi o roteiro. Pois é, eu sei que o Tony McNamara é um roteirista muito conceituado do mercado, em especial por causa de seu trabalho em A Favorita (que inclusive eu vi no cinema), porém o estilo de escrita dele não me agrada de forma alguma, apesar de eu reconhecer a qualidade de seu roteiro.

Ao que ele se propõe, Tony é perfeito… É exatamente a sua proposta que me incomoda, e eu não tinha me dado de conta do quanto até ver The Great. Em primeiro lugar, temos que falar dos palavrões. Gente, que recurso barato para causar emoção no telespectador! Olha, para quem viu séries com cunho histórico no nível de The Borgias, não tem como tolerar tal baixaria. Sim, TB tinha cenas de sexo, tinha temas pesados e tudo o mais, mas não precisava de palavrões para a gente sentir o que o diálogo queria expressar… Muito pelo contrário, as falas eram profundas, psicológicas e poéticas ao mesmo tempo que obscuras, tornando aquela uma obra-prima. Saudades do Neil Jordan, aquele era um baita de um roteirista. Só para vocês notarem, vamos comparar duas falas românticas, uma de TB e a outra de TG. Sério, não me lembro de outra fala dela para o Leo que seja mais profunda do que essa:
“Por que nós fomos amaldiçoados com esse sentimento que parece tão natural e bom? Por que, quando estamos juntos, Deus parece se sentar em meio a nós? E então, quando você vai embora, eu consigo te esquecer… Mas um toque de sua mão já faz Deus voltar rapidamente” - Lucrezia Borgia, The Borgias
“Eu te amo, p****” - Catherine, The Great
Já que tocamos no assunto, vamos continuar analisando o romance! Quero dizer… Romance, sério? Até a Catherine e a cabeça sem olhos do suíço aleatório têm mais química do que ela com o Leo! Afinal, eles literalmente se apaixonaram por que ele explicou como se come um pêssego, se bem recordo. A próxima interação prolongada deles a sós já foi ela tentando desabotoar o vestido, e precisando da aia pra realizar tal tarefa. Não rola, gente, simplesmente não rola.
Outra coisa que me incomodou em The Great foi a leviandade com que trataram certos temas, como o sexo. Sim, de novo… Muitas séries boas tinham cenas de sexo, porém o tema era tratado com a seriedade que exige, como por exemplo o estupro. Catherine foi estuprada em sua primeira noite de casada, e no outro dia ela simplesmente acorda desapontada? Parece que para o Tony McNamara sexo é apenas estímulo (ou não) dos órgãos genitais, e não influencia em nada no psicológico da pessoa, em especial de uma garota virgem e extremamente romântica. Caramba, ela nem pareceu sentir dor, sendo que seu corpo deveria estar zero por cento preparado para a penetração. Vamos comparar de novo com a obra-prima The Borgia? Afinal, tivemos uma cena bastante parecida, em que uma garota virgem e cheia de sonhos cor-de-rosa é estuprada em sua noite de núpcias. Sua reação, no entanto, é muito mais condizente com a situação, inclusive nos dias que se seguiram ao fato, em que o medo dela em relação ao marido foi trabalhado de forma impecável.
Além de insensível ao sexo, aparentemente também essa garotinha que nunca havia visto um cadáver na sua frente não ficou com nenhum trauma depois de arrancar os olhos de uma cabeça morta com suas próprias mãos. Ok, ela hesitou ao realizar o ato, porém eu queria ver os efeitos de tal monstruosidade nos dias que se seguiram a tal fato. Pois é, nada… E eis aí mais uma frustração.
Claro que eu já sabia, pelo trailer, que teríamos uma pegada de comédia na série, porém em momento nenhum eu imaginei que o humor seria tão negro e baixo! Eu imaginei que teríamos umas tiradinhas inteligentes, e até sarcásticas, no meio de uma trama essencialmente política, mas que teríamos um drama pesado e levado a sério quando fosse necessário. Também não esperava algo historicamente correto, mas não imaginei que o que encontraria seria o extremo oposto. A ideia é ser uma série grotesca e absurda, que não se leva a sério, e isso ela cumpre bem, porém custava mostrar isso no trailer? Assim eu já não perdia meu tempo assistindo aos capítulos para resenhar aqui, e procuraria algo mais interessante para o meu entretenimento.
Aí alguém pode falar para mim “ah, mas a série não é só sobre humor negro, temos também as questões da trama política do golpe”. Ok, até temos isso, porém a pobreza de tal trama deixou muito a desejar para mim. Eu sou alguém que ama ver uma tramoia, e quanto mais brilhantes forem os personagens envolvidos, melhor! A questão é que, apesar de ser o objetivo de vida da Catherine, ela basicamente só convenceu dois homens a juntarem-se a ela, fez uma reunião com todo mundo e mandou o pessoal angariar mais aliados para sua causa… O que falhou. Aí ela manda um “dane-se”, decide matar o Peter ela mesma e tomar o palácio na base da força. Hein? Dez temporadas para isso? Olha, a primeira regra do golpe inteligente é ganhar o coração das pessoas, para não ser destronada cinco segundos depois de ter posto a coroa sobre a cabeça. Matar o imperador quando ele era mais popular, depois de acabar com a guerra? Not cool!

Tirando essa falta de lógica da personagem… E as tramoias? E os planos inteligentes? Só chegar lá e matar o cara não era bem o que eu estava esperando. Queria ver jogo de mentes, ou algo ligeiramente mais empolgante! Seria demais esperar algo a nível Rodrigo Borgia e Catharina Sforza? Sinceramente, eu queria que ela passasse a manipular a todos sutilmente, até chegar a um ponto em que a própria nobreza iria depor ele, e a Kit Cat nem precisaria manchar suas mãos de sangue, saindo da história como a santa mártir. De fato, seria a jogada mais inteligente a se fazer. Enfim, mesmo neste quesito The Great me decepcionou.
Em certa medida, The Great bebe em várias fontes que eu amo, como Maria Antonieta (por trazer a modernidade para uma trama histórica) e A Amante do Imperador (uma garota estrangeira que se casa com um rei louco, e se une a seu amante iluminista para dar um “golpe das ideias”? Hum, me parece familiar). Também podemos vislumbrar The Borgias, e em especial Lucrezia Borgia, a garota inocente que se transforma em uma das melhores jogadoras da política de seu tempo. Bom, tanto isso é verdade que a aparência da Catherine (Elle Fanning) é a mesma que a da Lucrezia (Holly Grainger), e elas até pegam o mesmo ator, Sebastian de Souza (Leo em The Great, Alfonso em The Borgias).
Sabendo que Tony obviamente conhecia essas produções (em especial A Amante do Imperador… Sério, é uma cópia descarada, não tem como ele não conhecer. Assistam o filme e depois me digam se eu não tenho razão), por que The Great acabou sendo tão ruim? Nem mesmo assistindo A Favorita, e assim conhecendo o gosto do Tony por uma trama não romantizada, dava para adivinhar que seria assim que ele trataria The Great, com cenas tão grotescas que poderiam deixar uma pessoa maluca. Minha preocupação, no entanto, não é nem em relação a esta série em específico… Quero dizer, esta é apenas uma série, e nós sobrevivemos a isto. Minha preocupação é com a ausência de novas produções geniais com tramas históricas, como costumávamos ter uns anos atrás. Não estou falando apenas de tramas de realeza não, e Downton Abbey e Jamestown estão aí para provar isso! Por favor, emissoras de televisão e produtoras, tragam-nos mais conteúdo com a seriedade que necessitamos, com roteiros que lide com temas difíceis como eles devem ser tratados.
É, eu sei... Resenha pesada, mas ainda assim espero que tenham gostado. Um beijo a todos, e até a próxima!
Gisele Alvares Gonçalves
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