Visita Guiada a Camelot - Tristão & Isolda
- Gisele Alvares Gonçalves
- 11 de mar. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de jul. de 2021
Olá a todas damas e todos cavaleiros… Estamos começando mais uma saga de resenhas aqui, no site No Escurinho do Cinema! E sabe qual vai ser o tema da vez? Pois é, nós conversaremos sobre o meu assunto mais querido de todos os tempos, o ciclo arthuriano! Sendo assim, nos próximos meses teremos muitas avaliações de filmes e séries que retratam o rei Arthur e toda sua corte, bem como os momentos mais épicos desta mitologia tão rica, como a famosa espada na pedra. Para começar, falaremos de Tristão & Isolda, um filme de 2006 que me deu arrepios quando eu vi no cinema, e que continua me surpreendendo, mesmo depois de tanto tempo. O que, você não sabia que Tristão e Isolda faziam parte do ciclo arthuriano? Não é de se espantar, afinal neste longa o rei Arthur não foi mencionado sequer uma vez, nem o Lancelote ou a Guinevere, e todos aqueles outros personagens que conhecemos também de vários filmes! Aliás, achei interessante essa escolha de roteiro, focando nos personagens da trama de forma independente do resto do ciclo, de modo que todas as pessoas possam ver o filme e compreendê-lo, sem fazer referências que poderiam ficar perdidas para quem não manja do assunto. Agora, no entanto, você está aqui para se tornar um manjador! E aí, está pronto para a nossa visita guiada? Então bora lá!
Primeiro, gostaria de começar falando da fotografia do longa, que foi toda manipulada para tons cinzentos, de forma a mostrar um mundo decadente e a ressaltar a dramaticidade da trama. Gostei bastante deste efeito, deixa o filme todo com um aspecto levemente sombrio, o que combina com toda a temática de “Idade das Trevas” dos cenários e figurinos, que são bastante rústicos e críveis. Aliás, alguém mais aí está apaixonado pelas roupas da Isolda? Cara, que perfeição! Toda a paleta de cores está impecável, ressaltando o azul de seus olhos e o tom rosado de sua bochecha.
Falando em Isolda… Se você não achou a Sophia Myles a coisa mais linda deste universo, você é cego. Ela é apaixonante, doce e de voz melodiosa, e atuou para caramba neste filme! Eu consigo acreditar na dor desesperada da personagem, consigo sentir na minha pele a agonia que ela sente, a luta contra o dever e a perda gradual da noção do que é certo e errado, tudo por aquele amor que a consome acima de tudo. Já o mesmo eu não posso dizer do James Franco, como sempre. Cara, ele é tão… James Franco! Sempre com a mesma expressão de criança que deixou cair o pirulito no chão, não dando a entender em nenhum momento que é um cara desesperado por um amor proibido. Sem contar, é claro, que ele deixou o personagem sem graça, o que faz com que não consigamos entender por que a Isolda se apaixonou por ele, o que é um erro muito grave em um filme de romance. Teria sido muito melhor se deixassem que o Henry Cavill assumisse o papel principal, e tivessem posto o James Franco no papel do traíra do Melot. Aliás… Você notou que o Melot era o Henry Cavill, não é mesmo?

Falando em atores que mandaram bem pra caramba, não poderíamos deixar de mencionar o Mark Strong como Wictred, quem você provavelmente já conhecia de Stardust (Septimus), Sherlock Holmes (Henry Blackwood) e A Jovem Rainha Vitória (sir John Conroy), mas provavelmente não reconheceu em Tristão & Isolda. Também tivemos o Rufus Sewell, um queridinho de filmes e séries épicas, tendo já participado de grandes produções como Vitória: A Vida de uma Rainha (Lord Melbourne), Os Pilares da Terra (Tom Builder), O Ilusionista (Leopold), A Lenda do Zorro (Armand) e Helena de Tróia (Agamemnon). Ufa, que currículos, não é mesmo? Não é à toa que eles ajudaram o filme a ser tão incrível quanto ele foi, fazendo até a gente se esquecer o quanto o James Franco azedou o pastel com sua interpretação meia-boca.
Bom, agora que já falamos um pouco sobre as questões específicas do filme em termos de produção, vou dar minha opinião sobre como Tristão & Isolda tratou das questões do ciclo arthuriano. Vou dizer que, em termo de construção de personagens, eu achei bastante convincente tudo o que foi retratado, tendo gostado bastante do fato de que as linhas gerais foram mantidas, inclusive o fato de que Morholt fere Tristão, que então é curado pelas mãos hábeis de Isolda. Nos textos originais, no entanto, não foi apenas a mera convivência entre os pombinhos que fez com que eles se apaixonassem, não senhor… Ao contrário, Tristão não teve nenhum problema ao levar Isolda para se tornar esposa de seu tio Marke, até que os dois bebem a poção de amor que a mulher havia preparado para seu marido, e então as merdas começam. Sinceramente, não fico chateada com essa mudança no plot, ao contrário, gostei bastante da forma como eles retiraram a magia da lenda, fazendo com que toda a história adquirisse um tom bem mais crível e pé no chão. Aliás, este é um dos fatores pelos quais eu amo muito este filme.
Algumas coisas, no entanto, eu achei que poderiam ser abordadas de forma diferente na trama, como o fato de que as “tribos da Bretanha” estavam divididas e subjugadas pela Irlanda. Aí tocamos na ferida! Bom, em primeiro lugar, não achei legal tratarem os povos da Bretanha como se cada um tivesse um loteamento e fossem iguais em força e número, ou que sequer fosse possível uni-los de forma pacífica sob um mesmo rei, que foi ninguém menos do que o próprio Marke. Ok, muitos erros em uma frase só… Vamos abordá-las aos poucos. Para quem não é familiarizado com o ciclo arthuriano, saiba que a grande maioria das histórias giram em torno da guerra entre os saxões, que queriam dominar a Bretanha, e os bretões, que estavam se defendendo e tentando expulsar os invasores. Tem mais coisas por trás disso, mas eu simplifiquei para adiantarmos com a resenha. Inclusive, as primeiras vezes que um certo “Arthur” foi mencionado nos textos medievais foi como um líder de guerra que venceu uma batalha contra os saxões no Monte Badon.
Com isso, torna-se impossível admitir um universo em que bretões e saxões sentem na mesma mesa para falarem em união em prol de lutarem contra os irlandeses. Se fosse para mostrar a divisão dos bretões, seria muito melhor não tê-los dividido entre saxões, pictos, celtas, bretões etc, porém entre várias tribos da mesma origem cultural (bretões romanizados, de preferência). Com isso, o filme teria se aproximado não apenas da origem histórica do rei Arthur, mas também da forma como o próprio ciclo literário lidou com a questão.

Agora, vamos falar da parte polêmica: Marke da Cornuália como rei. Eu sei que o roteirista não quis trazer outros personagens do ciclo arthuriano para a história por questões de tempo de tela, mas ainda é bastante esquisito para mim ver o Marke assumir o papel que tradicionalmente cabe ao rei Arthur. Não estou aqui julgando o Dean Georgaris (roteirista) por sua escolha, longe disso… Eu entendo que ele quis condensar a história ao redor dos personagens-chave da trama, porém para mim ainda é esquisito tudo isso. Um dia adoraria ver uma série sobre Tristão e Isolda, na qual pudessem acrescentar Camelot e toda sua corte como o centro da Bretanha, até para vermos o relacionamento do pessoal da Cornuália com Lancelot, Guinevere, Morgana e toda essa gente aí.
Mais esquisito do que não ver o rei Arthur no filme, no entanto, foi ver um universo paralelo em que a Irlanda domina a Bretanha! Cara, o Dean Georgaris devia estar muito chapado quando pensou nesse plot. Claro, em termos de construção do romance isso funciona perfeitamente: mantém a origem irlandesa da Isolda, e dá um belíssimo pano de fundo para um amor proibido e tocante. Em termos históricos, no entanto, é uma viagem total esse cenário. Não sei se vocês sabem, mas a Irlanda foi por muito tempo subjugada pela Inglaterra, e por isso que os Irlandeses se ressentem da nobreza inglesa até hoje. Ok, na época que o filme retrata (final do século IV, início do século V), ainda não havia o domínio da Bretanha sobre a Irlanda, isso só vai acontecer muito séculos depois do tempo em que o rei Arthur teria vivido… Ainda assim, é irônico botarem a Irlanda como o reino conquistador no filme.
E aí, gostaram da resenha? O que acharam das minhas considerações históricas e literárias? Vocês já sabiam que Tristão e Isolda fazem parte do ciclo arthuriano? Se não entenderam alguma coisa da minha explicação, podem escrever as suas dúvidas aí abaixo nos comentários, que eu irei responder vocês da melhor forma o possível. Por agora, no entanto, eu deixo um beijo e um queijo para vocês, e uma vontade imensa de que possamos nos encontrar nas próximas resenhas. Até a próxima!
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