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É “Só” Um Filme

  • Foto do escritor: Ana Franskowiak
    Ana Franskowiak
  • 30 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 6 de nov. de 2020

Saudações Cósmicas!


Já pararam para pensar no que vocês aprenderam com a arte? Especificamente, com os filmes? Calma. Esse texto não contém vieses moralizantes, inquisitoriais ou impositivos. Tampouco eu pretendo atacar ou defender a ideia, parte acertada, parte equivocada, de que certos filmes fomentam comportamentos violentos (isso tem a ver com retratar, versus endossar, versus repudiar, e dá margem para um texto só seu).


Há algum tempo, tenho assistido ao acirramento da falácia da dicotomia tocante à descabida oposição ciência versus arte. Ou mesmo entre “ciência de verdade”, leia-se todas as áreas exatas e biológicas, e ciências humanas, consideradas de menor valor, tais como Linguística, Sociologia (estou lendo Fahrenheit 451 e logo assistirei às adaptações) e, aquela que mais nos interessa aqui, a História.



Além de cumprir funções estéticas, catárticas entre outras para seus criadores e criadoras, a arte é um inegável instrumento didático e filosófico, por vezes, mais eficaz que muitas lições abstratas e inculcadas à exaustão em tom monocórdio. Ao mesmo tempo em que entretém, o aprendizado contido na obra se insinua indiretamente, de modo que ao término de uma boa (tudo bem, às vezes, algumas não tão boas assim) película baseada em episódios históricos, persiste na lembrança muito mais do que bordões e belos figurinos. E não há melhor aprendizado que aquele que aponta um caminho ao invés de nos forçar a segui-lo.


Contextualizando: quantas vezes buscamos saber mais a respeito de algum capítulo histórico devido a algum filme que assistimos? Falando por experiência própria, inúmeras. E aqui entra uma questão controversa: o excesso de liberdade no adaptar que acaba distanciando a película do episódio no qual a trama se desenvolve, e como isso empurra os filmes de viés histórico para a categoria de “entretenimento vazio”.



Tais dessemelhanças podem se apoiar em dois pontos: falta de pesquisa ou intencionalidade. O William Wallace original jamais poderia estar usando um kilt, de acordo com as referências históricas. Todavia, como dissociar do imaginário popular um elemento tão intrinsecamente ligado à cultura escocesa? Ainda aproveitando o ensejo dos figurinos, quesito que, geralmente, faz com que as pessoas formadas em História da Moda revirem os olhos diante de algumas adaptações, vocês já imaginaram quão ilógico seria lutar de capa (ou clâmide, conforme seu nome grego) solta? Mas quão estético é um mar de trezentas clâmides adejando ao vento, não? Especialmente se a luta se destina a rechaçar “o outro”, aqueles, aquelas ou aquilo que desconhecemos e não fazemos a menor questão de compreender. O que nos leva das questões materiais ao enfoque da subjetividade…



Quantas vezes não devaneamos, após fruir de uma obra de época, sobre como seria a nossa vida naquele determinado período e quais funções desempenharíamos? Cada vez mais, por meio de manifestações acidamente espirituosas, as pessoas têm tratado de desromantizar nossos improváveis devaneios, porém, a nível pessoal, digo que foi um filme o responsável por me despertar essa consciência: ainda que a mais improvável reviravolta me alçasse à condição de nobre numa outra época, eu preferiria ser a mais humilde camponesa ou artesã a uma rainha sistematicamente violentada em sua própria corte, como teria sido Maria Antonieta. Mas ela era uma déspota, alguém dirá. Não, uma alienada, porém, no fundo, inocente, mais alguém poderá retrucar.


Semelhante controvérsia enseja outro questionamento, e ele envolve visões de mundo e a lendária neutralidade narrativa. Nenhuma obra, por mais que pretenda retratar episódios pretéritos, ficará restrita ao período, cultura, povo e local no qual se desenrola. Obrigatoriamente, ainda que a nível de subtexto, ela carrega elementos do período, cultura, povo e local no qual foi concebida. Quão estranho é ver hoje uma pintura de Maria, mãe de Jesus, trajada em ricas vestes renascentistas, ou, a máxima do absurdo e mesmo da falta de bom senso, para não dizer outra coisa, de representar pessoas escravizadas “quase da família”, vivendo felizes entre seus algozes em certos filmes clássicos?


Um contra-argumento válido postularia que semelhantes cenas constituem um retrato muito específico de um momento, afinal, vidas não se constituem de uma única emoção, e mesmo a pessoa mais abjeta não passa 24 horas bradando ordens e insultos. Pasmem: mesmo elas amam algo ou alguém. As Últimas Horas de Hitler, de 2004, que o diga (caso assistam, tentem abstrair dos memes…).


Uma mesma história pode ser contada por diferentes pontos de vista, porém, jamais pode se pretender neutra. Se uma personagem fictícia é capaz de influenciar escolhas profissionais (olá, Efeito Scully!), uma história, bem contada ou não, também pode influenciar nossas visões referentes à História ou personagens que vivenciaram momentos emblemáticos ou os provocaram. Não se trata exatamente de concordar ou não com o que está sendo exposto, e sim de buscar nossas próprias respostas com base na seguinte premissa/pergunta: é só um filme!?


Vejam, questionem e sejam História e do widzenia!

1 Comment


Gerson Moraes
Gerson Moraes
Oct 07, 2020

Amei a matéria! Realmente, essa excesso de liberdade nas adaptações acaba sendo uma faca de dois gumes. Trazendo essa reflexão ao UCM, por exemplo, ao mesmo tempo que pode ajudar a realçar um personagem (caso da Anciã no filme Doutor Estranho que, nas HQs, é um homem), pode ser um total desastre (Professor Hulk em Vingadores: Ultimato onde, nos quadrinhos, ele é um personagem maravilhoso).

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