A Cor Que Caiu Do Espaço e seu quase-fracasso
- D. C. Blackwell
- 3 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2021
Richard Stanley, diretor e roteirista, tem fama de dar seu toque final em obras literárias, como é o caso do clássico A Ilha Do Dr. Moreau e o longa Hardware, pelo qual foi processado sob denúncia de plágio a um conto da Fleetway Comics publicado em 1981. Dito isto, mesmo que moralmente duvidoso – como muitos dos aspectos que cerceiam Lovecraft e suas obras -, Stanley teve coragem, ousadia, engenhosidade e poder aquisitivo para tentar realizar o feito heróico que é a adaptação cinematográfica da qual falarei hoje.
Colocar Lovecraft nas mídias audiovisuais sempre foi algo complicado. Em 1987, o longa Re-Animator, baseado no conto de mesmo nome, escrito por nada mais, nada menos que o responsável pela criação do Terror Cósmico e por uma série de influências no meio Geek em geral, foi lançado e categorizado como Terror/Comédia pela crítica. Nesta última década, foram lançados também dois jogos muito famosos inspirados em obras do autor: The Sinking City e Call Of Chtulhu foram categorizados como Terror/Ação. Nota-se a complexidade que se requer para dar vida à obra de Lovecraft, e isso se dá pela maneira como as coisas acontecem e também por como são descritas e narradas em suas revistas, que hoje podem ser localizadas em livros de contos compilados. E com A Cor Que Caiu Do Espaço, esta dificuldade é exponencialmente maior, porque, como o nome da obra já diz, trata-se de uma história que circunda o ato de perceber uma cor nunca antes vista por nenhum ser humano em toda a história, uma cor alienígena.

Mas vamos ao que interessa: a famigerada Cor. O uso dos tons de violeta, rosa e azul foi brilhante e transmitiu a mensagem esperada de que é impossível definir qual é realmente a cor, mesmo que alternando numa paleta que todos (obviamente) conhecem. As cores utilizadas para isso se encaixam bem no imaginário coletivo de algo que é monstruoso, belo e enigmático ao mesmo tempo. Outra opção que daria certo para se trazer o meteorito às telas de cinema seria filmar tudo em preto e branco – embora eu seja suspeito para falar disso devido ao meu amor por O Farol (fica a lição de casa pra quem ainda não assistiu, inclusive). Na verdade, esta minha preferência por tons de cinza também está relacionada com minha própria visão de como uma adaptação do conto deveria ser, e isto inclui uma série de coisas das quais ainda vou falar na sequência.
Sobre a trama: adaptações de livros de outras épocas geralmente transportam os eventos centrais da obra para a contemporaneidade. Dito isto, raramente veremos uma obra totalmente fiel, dado que a época é outra, assim como a maneira de perceber o mundo e também de ficar aterrorizado. Tubarão já fez as pessoas gritarem de pânico no escurinho do cinema, mas nos dias de hoje, a obra, no melhor dos casos, provocaria risos. O que quero dizer com isto é que tramas envelhecem, e no que diz respeito a filmes de terror, não se assemelham em nada com o vinho. Some isto a um grupo de protagonistas cliché e você terá um fracasso de bilheteria. Richard tentou inserir a obra num cenário atual, numa família que ele provavelmente considera moderna – o filho maconheiro, a filha wiccan, um pai engraçado e uma mãe administradora de negócios. Isso fez com que em alguns momentos o enredo tivesse momentos que beiram a paródia, como, por exemplo, todo o desenvolvimento de personagem de Lavinia. Não me entenda mal, as atuações foram muito boas. Inclusive, posso afirmar que o Nicholas Cage trouxe a energia correta para o set e entregou um personagem intenso que deu toda a “cor” (sacaram?) que o filme precisava. Entretanto, algumas escolhas de diálogo foram fraquíssimas, assim como escolhas de cena, mais especificamente naquelas em que a poeira e a tensão parecem baixar por um momento. Sobre esta última característica, gostaria de citar praticamente todas as cenas com alpacas (com exceção da sua contribuição no ápice do filme, a se mencionar mais tarde) e demais alívios cômicos. Na minha concepção, o enredo deste longa em específico precisava ter uma escala progressiva de tensão sem nenhum tipo de descanso, e por isso as cenas de alívio acabaram me deixando desconfortável da maneira ruim – sensação que me impulsionou a ponderar mais de uma vez o quanto ainda faltava para que o filme acabasse.
Porém, da metade pro final...

“Sim!”, pensei eu. Finalmente a história começava a se desenrolar e a parecer mais com algo de que Lovecraft teria se orgulhado. Neste ponto, a trama se aproxima do conteúdo original e nos fascina com o contraste entre a beleza da Cor - e das coisas que Ela cria, como as flores e as trepadeiras – e o terror e confusão graduais que infectam nossos protagonistas. Os monstros me mantiveram de olhos arregalados, e preciso novamente mencionar Nick Cage e sua atuação impecável diante da face da própria loucura que toma forma nas abominações “Alpacas” e “Jack/Theresa”. Somente a partir deste momento fiquei tenso de verdade, e confesso que valeu a pena. Os eventos que seguem rumo ao encerramento do longa são perfeitos. Fechei o player de vídeo com a estranha sensação de ter assistido algo que começou ruim e que foi melhorando progressivamente rumo ao final.
Cheguei à conclusão de que a obra cresce em qualidade narrativa conforme ela avança. Stanley, apesar de começar um tanto trôpego, consegue entregar um produto final que atinge o cume de qualidade no clímax do filme. Rick não é um gênio do cinema de terror e isto é comprovado pelo fato de que esta é a primeira obra que ele traz para o cinema desde 1996, com sua demissão em A Ilha do Dr. Moreau no meio das filmagens. Entretanto, ele foi o único que teve o ímpeto de realizar o sonho – mesmo que malformado – de muitos apaixonados por Terror Cósmico e por Lovecraft. Ele é um fã, isto fica claro conforme os aspectos sobrenaturais do filme, tanto quanto os efeitos audiovisuais, vão se aprofundando e tomando conta do cenário. Nesse sentido, o homem foi incrível e genial. Quanto a uma adaptação perfeita? Não existe. Muito menos no terror. Dracula de Bram Stoker nada tem de merecedor do título, e quem leu sabe muito bem disso. Guardarei este filme com carinho nas minhas lembranças, recordando das partes que amei e perdoando suas falhas. E dando graças a Lovecraft que tudo não passou de uma história.
Uma história de terror.
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