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Bela Lugosi Não Está Morto! - Drácula (1931)

  • Foto do escritor: D. C. Blackwell
    D. C. Blackwell
  • 17 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura


Ah, o famoso Drácula! Filme que trouxe a figura do vampiro a um novo patamar, elevando-o acima de todas as subculturas, permeando todos os gostos e transcendendo as diversas mídias. Figura mítica de 500 anos de idade que Já foi filme, série, animação adulta e infantil, jogos, música e demais obras literárias, tornando-se praticamente um ciclo, como o lendário Rei Arthur. Incontáveis mitologias deram forma a vampiros de todas as origens, com as mais variadas características, agradando gostos diferentes, mas que, somados, são a maior fanbase do mundo, tudo isso por causa do Bram Stoker e deste maravilhoso longa. Este filme, mais popular do que o próprio livro que lhe deu a vida, é quase uma lenda urbana, já beirando a impossibilidade de sua degustação devido à sua raridade. Deu fama e prestígio ao venerado Bela Lugosi, que recebeu até música do Bauhaus em sua homenagem, além de introduzir a Universal Studios no mundo do horror. É sobre esta pérola, este marco da subcultura gótica e do cinema de horror, que falarei hoje.


Drácula é o Senhor Dos Anéis do horror gótico. Digo isso não somente em respeito à maneira como a adaptação foi feita, mas também por causa da inovação que o filme trouxe e a marca perene que ambos gravam no coração da cultura pop. A maior diferença entre os dois é a verba. Afinal de contas, enquanto cada filme do P.J. conta com mais de 3 horas, o pobre Tod Browning, que ficou menos famoso que o intérprete do morcegão, contou com apenas 74 minutos, contando os créditos. Isso é muito pouco! Considerando o pouco tempo que tiveram para adaptar o livro de Bram Stoker, nada me surpreende que alguns personagens tenham precisado ser desconsiderados ou apenas mencionados, e que o final tenha tido de ser abrupto. Honestamente, foi soma de milagre e genialidade que transformaram o projeto num filme minimamente aceitável para a época.



Nessa mesma década, para comprovar como a indústria do cinema sempre desprezou o gênero do horror, tivemos Camille, Tempos Modernos, E O Vento Levou, entre vários outros grandes clássicos, todos muito bem munidos de recursos financeiros para bancar bastante tempo de tela. Já Drácula, que seria facilmente adaptável para uma minissérie de 10 episódios de 1 hora, foi feito em meros 74 minutos, e, quando refeito, nos anos 70, tornou-se uma história mais popular, uma história de romance que, apesar de suas qualidades indubitáveis, afastam-se do conteúdo original, de maneira a gerar uma espécie de estigma que torna quase impossível recuperar a figura horrenda e visceral do monstro medieval sedento de sangue que mata e corrompe almas por puro prazer. Talvez esta mesma nova abordagem da figura do Drácula seja responsável por sua popularidade hoje, quem sabe... Mas isso fica para outra matéria!


Sobre a adaptação em si, é necessário fazer alguns apontamentos interessantes. Principalmente na maneira como se deram as mudanças no roteiro para que se pudesse concluir a obra no seu tempo limitado, nota-se a habilidade da direção ao fundir personagens e transformar o enredo em algo mais dinâmico para economizar o precioso tempo. Lucy, que aparece brevemente e logo morre nas mãos do morcego sem muitas delongas, tem boa parte de sua trama substituída por Mina, que vive uma corrida contra o tempo para livrar-se da maldição do vampiro, somando-se com sua própria trama no livro ao final, na qual depende da morte dele para evitar de se transformar em mais uma esposa do monstro. Jonathan Harker foi substituido por Renfield, que usou o começo da trama de Jonathan para apresentar-se como mais uma vítima, deixando a Jonathan o papel de Seward como cético ajudante de Van Helsing. Visto que um terço do livro é contado através dos olhos de Seward, nada mais justo que mantê-lo por perto ao menos para fazer as honras de ter algum foco na trama, mesmo que seja o pai de Mina. Este é um detalhe bastante interessante, visto que no livro ele é um dos pretendentes de Lucy, e por isso se dá sua grande motivação na obra original. Ele foi bem recolocado, na minha opinião, para reduzir o protagonismo entre Jonathan, que precisa estar lá porque é o grande herói do livro, e Van Helsing, que é a ponte para a solução dos mistérios e a caça ao vampiro.



Feitas essas mudanças, a trama correu relativamente tranquila, considerando a situação e desconsiderando o final súbito. Um detalhe muito interessante que deixou o filme mais longo e que foi proposital, para que pudéssemos nos arrastar mais sobre a trama, foi o fato de quase não haver música o filme todo. Essa narração silenciosa foi uma estratégia para alongar a percepção do filme, além de causar ao espectador a sensação de que há algo errado. Esse desconforto foi bem aproveitado, especialmente considerando a época. Uma proposta ambiciosa que não funcionaria tão bem hoje, mas por algum motivo deu muito certo na época. Outro detalhe interessantíssimo que eu não sabia até ver os extras do DVD: sabiam que Drácula teve uma versão espanhola com outro elenco e outra equipe, incluindo uma direção espanhola? E que, não obstante, essa gravação foi simultânea e se deu no mesmo set do filme americano? Pois é! Como se não bastasse tudo isso, a própria equipe, produção e direção do filme do Bela Lugosi confessaram que a versão espanhola era muito superior, não só em termos de interpretação, mas de narração e de técnicas de filmagem. Depois de saber de uma coisa dessas e ver algumas cenas brilhantes da versão espanhola, estou morrendo de vontade de assistir e comparar!


Sobre a aura do filme: sensacional. Gótico até o último fio de cabelo, o cenário traz o clima certo absolutamente sempre para a trama, desde seu castelo poeirento e repleto de teias de aranhas e colunas em ruínas até o quarto escuro de Mina, flutuando em névoa e iluminada pelo prateado da lua, e também nos diálogos poéticos que introduzem o longa, começando pela célebre frase de Lugosi: “Ah, as criaturas da noite. Que música elas cantam!”. A seguir, no primeiro encontro entre Lucy e Drácula, uma homenagem a todas as mudanças que foram feitas, despedaçando o coração do roteirista, insinuando a tragédia de não estar vivo nem morto e como isso pode ser uma maldição terrível, traduzida na frase, novamente, de Lugosi: “Há destinos piores que a morte para um homem.”. Até mesmo Renfield consegue mostrar com facilidade ao público a agonia de estar dividido entre uma servidão doentia imposta à força por Drácula e a agonia de um coração bom que sangra com as atrocidades que precisa cometer para manter-se fiel a seu horrendo mestre.



Drácula é um filme que deve ser apreciado duplamente: primeiro por aquilo que conseguiu ser, apesar das dificuldades, e segundo, por aquilo que poderia ter sido sob as condições ideais. É possível sentir a verdade essencial do livro de Stoker no longa, a sua conexão com a obra original e com todas as coisas que importam de verdade nela. O monstro feio e grotesco, parado no tempo e completamente vazio na alma, vicia-se na beleza das mulheres vestidas com o véu da noite, as brumas prateadas londrinas e o silêncio tumular da noite. De todos os filmes com o mesmo título, sendo o primeiro destes, continua insuperável como adaptação no quesito fidelidade artística, narrativa e espiritual do clássico de Bram Stoker. Recomendo seu consumo sem moderação e, se gostar, logo deve partir para Nosferatu, como eu mesmo pretendo fazer em breve, numa próxima resenha.





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