O universo científico de Interestellar
- Angers Moorse
- 22 de set. de 2020
- 9 min de leitura
Atualizado: 6 de nov. de 2020

Salve salve, galera! Inicio esta resenha com três indagações: você é apaixonado por ciência? Tem curiosidade sobre os mistérios do universo? Acredita que, um dia, colonizaremos outros planetas? Se sua resposta foi sim a, pelo menos, uma dessas perguntas, essa matéria foi feita para você!
Desde os primórdios da existência humana, a busca pelo desconhecido foi uma das grandes metas. Conhecer quem somos, de onde viemos e para onde vamos são alguns dos questionamentos mais antigos e profundos de que temos notícias.
A Segunda Guerra Mundial chegou e, em consequência dela, vimos a Guerra Fria trazer consigo a corrida espacial entre URSS e EUA e, a partir daquele momento, levar o homem ao espaço era uma questão não apenas de tempo e investimentos, mas, também, de status político… Todavia não era somente isso. A revolução espacial trouxe o desejo imenso de realizar uma jornada em busca do desconhecido.
Missões espaciais como as Apollo e Saturno, da NASA, e Soyuz e Vostok, da URSS, conseguiram levar o homem à Lua, algo inimaginável antes. Com o passar dos anos, mais e mais missões espaciais, satélites orbitais, sondas espaciais e ônibus espaciais foram surgindo, aguçando nossa curiosidade e trazendo informações mais precisas e detalhadas sobre nosso universo.
Com o fim da União Soviética, os EUA tornaram-se a maior potência espacial do planeta e a NASA, referência mor no assunto. Atualmente, empresas privadas como a SpaceX trabalham em parceria com a agência espacial, cujos planos são bem ousados para o futuro. Colonização humana na Lua, missões tripuladas a Marte e (pasmem!) a Júpiter… essa considero como feito praticamente impossível, haja vista as características do planeta.
Muitas décadas se passaram e a ciência evoluiu junto delas, discutindo e debatendo sobre as teorias já existentes e criando algumas novas. Áreas como robótica, nanotecnologia, física mecânica, física quântica, astrofísica e cosmologia ganharam destaque dentro da ciência, permitindo novas e excitantes descobertas e infinitas possibilidades. Ao mesmo tempo, ao responder algumas das perguntas, acabaram por criar outras tantas.

Mas o que Interestellar tem a ver com isso? Pois bem, caro aventureiro espacial, explico-lhe a partir de agora. O filme do diretor Christopher Nolan, estrelado por Matthew McConaughey, Anne Hathaway e Michael Caine, é um ótimo exemplo de como criar um universo de ficção científica com verossimilidade e carga dramática intensa.
Lançado em 2014, o longa de quase três horas de duração conquistou não somente fãs, mas crítica e comunidade científica, sendo considerado como um dos filmes mais fidedignos às teorias abordadas. Ganhou vários prêmios, como o Prêmio Critics’ Choice MVP (categoria Melhor Atriz, com Jessica Chastain), Prêmio BAFTA de Cinema (categoria Melhores Efeitos Visuais), Critics' Choice Award (categoria Melhor Filme de Ficção Científica/Terror), Empire Award (categorias Melhor Diretor, com Christopher Nolan, e Melhor Filme) e Oscar 2015 (categoria Melhores Efeitos Visuais, além de outras 4 indicações ao Oscar).
A trama gira em torno de uma tentativa desesperada de salvar a raça humana. Com escassez de recursos na Terra e o planeta quase à beira da extinção, um wormhole (buraco de minhoca) surge próximo a Saturno e, em tese, permitiria o acesso a outra dimensão, com planetas potencialmente habitáveis para a raça humana. E é com essa missão que Cooper e Amelia embarcam em uma jornada extremamente perigosa e heroica aos confins do espaço, na esperança de salvar todos aqueles que amam.
Tudo no filme é grandioso, a começar pelos cenários e fotografia. Tudo foi feito meticulosamente, com atenção aos mínimos detalhes, de modo a propiciar alto grau de imersão ao espectador. A trilha sonora, apesar de ser bem menos voluptuosa e impactante que em filmes como Senhor dos Anéis, por exemplo, é extremamente densa e com um crescendo intenso e feroz, que vai arrepiando os pelos do braço e gelando todos os ossos do corpo.
A carga emocional é outro destaque, principalmente nas cenas entre Murphy e Cooper (destaque para a interpretação maravilhosa de Mackenzie Foy na versão infantil de Murphy… demais!), chegando ao ápice em seu gran finale. Amelia também traz certo peso à trama (interpretada pela belíssima Anne Hattaway), apresentando química e sinergia com Matthew McConaughey. Outro ponto chave da trama é Michael Caine no papel do Professor John Brand… um nome de peso para um personagem de peso na trama.
Elogios à parte, vamos ao que interessa, que são os aspectos científicos do filme. Para quem não sabe, o físico teórico Kip Thorne trabalhou como produtor executivo e consultor científico no filme, para que tudo fosse o mais fiel possível às teorias científicas… e deu muito certo! Uma curiosidade: a produtora Lynda Obst e Thorne já haviam trabalhado juntos no filme Contato, de 1997 (aliás, quem ainda não assistiu a esse filme, não perca tempo… é incrível!) e foram apresentados um ao outro por ninguém mais ninguém menos que Carl Sagan (isso sim é que é uma apresentação de estilo!). Papo vai, papo vem, e eles optaram por levar o projeto adiante.
Certamente, elenco e produção à parte, as questões científicas trabalhadas no filme são o que mais impressiona. Gravidade artificial, buracos negros giratórios, wormhole (ou buraco de minhoca), dilatação gravitacional do tempo, universo pentadimensional e dimensões paralelas são alguns dos conceitos utilizados e abordados no filme. Mas você sabe o que são esses conceitos?
A partir de agora, vamos mergulhar fundo no universo científico de Interestellar e conhecer os conceitos e teorias presentes no longa. Prepare seu capacete e traje espacial, pois vamos mergulhar rumo ao espaço e além dele!

Gravidade Artificial
Um dos grandes problemas no espaço é a falta de gravidade, ou gravidade zero. E esse problema agrava-se ainda mais quando a viagem espacial é maior. Para contornar um pouco esse problema, cientistas criaram uma espécie de gravidade artificial dentro de espaçonaves ou estações espaciais.
Sabe a base espacial do filme, na qual Cooper e Amelia atracam? Então, o giro que ela faz para decolar rumo ao espaço é que proporciona essa gravidade artificial, que é similar à gravidade, mas com efeito em direção contrária.
Ou seja, sabe quando você faz uma curva fechada com seu carro e tem a impressão de estar sendo jogado para o lado oposto do centro da curva? Então, é esse o efeito, só que em uma escala maior.

Buracos negros giratórios
Um buraco negro é uma região celeste cuja gravidade é tão intensa que nada - nem mesmo a luz - pode escapar dela. Segundo a Teoria Geral da relatividade, proposta por Albert Einstein em 1915, quando um corpo possui massa compacta e altas cargas de energia, pode haver distorção de espaço-tempo e consequente criação de um buraco negro.
No filme, Gargantua é um super buraco negro situado em outra dimensão (ou universo), no qual há alguns planetas orbitando próximos a ele. Gargantua possui altíssima dilatação de tempo e espaço, o que faz com que o tempo passe muito mais rápido. Em um dos planetas explorados pela equipe de Cooper e Amelia, cada hora na superfície de um desses planetas equivale a sete anos na Terra.
A faixa de matéria em torno do centro de Gargantua é chamada de Horizonte de eventos, que é a região a partir da qual não é mais possível escapar. O mais legal disso tudo é que em abril de 2019 cientistas conseguiram a primeira “foto” de um buraco negro e, pasmem, possui quase as mesmas características de Gargantua.
Há sutis diferenças entre eles, que podem ser explicadas pelo ângulo de rotação, uma vez que esses corpos não são estáticos, mas sim tem movimento de rotação própria. Mais um ponto positivo para o filme, haja vista que as pesquisas e consultorias realizadas para o longa surtiram efeito.

Wormhole (Buraco de minhoca)
Imagine que você quer percorrer certa distância, muito longa para os meios tradicionais. Você poderia ir de um ponto ao outro em linha reta pois, como dizem, a reta é a menor distância entre dois pontos. Mas as coisas não são bem assim na prática.
Esse percurso demandaria maior tempo, combustível e recursos, tornando qualquer tentativa inviável a níveis de viagem espacial. Então, qual seria a melhor forma de encurtar essa distância? Um atalho que, na Física, é chamado de Wormhole, ou Buraco de minhoca. Basicamente, é um túnel que permite distorção de espaço-tempo, o que permite viagens curtas para dois pontos muito distantes.
O conceito tem um termo técnico conhecido como ponte Einstein-Rosen, tendo sido teorizado pelos cientistas Albert Einstein e Nathan Rosen em 1935. Até hoje, esse conceito ainda não foi cientificamente comprovado, mas há fortes indícios que podem apontar sua existência.
No filme, um wormhole é criado próximo a Saturno, e esse é um dos maiores mistérios deixados pelo longa: quem colocou o buraco de minhoca ali? Interessante notar que, diferentemente dos formatos habituais mostrados academicamente para os wormholes (dois tubos conectados um ao outro), no filme o buraco de minhoca é esférico.
Teoricamente, cientistas afirmam que seria muito difícil atravessar um buraco de minhoca e sair vivo para contar a história, pois eles ficariam muito instáveis no processo e esmagariam o viajante, esticando-o longitudinalmente e o contraindo verticalmente. Ou seja, você provavelmente viraria algo muito mais fino que um fio de cabelo.

Dilatação gravitacional do tempo
A dilatação do tempo é algo real e observável na Terra, pois está relacionado com a força gravitacional. Quanto maior essa força, mas devagar o tempo passa. Essa dilatação é um fator complicador se pensarmos em viagens no tempo, uma vez que, dependendo da duração da viagem, pode ser que nossos entes queridos e pessoas que amamos nem existam mais quando voltarmos para casa.
É mais ou menos isso que ocorre em relação a Cooper e Murphy. Cada hora próximo a Gargantua equivale a sete anos na Terra, ou seja, quando Cooper retorna, Murphy está quase morta (paramos com os spoilers por aqui). Aliás, essa parte no filme é de cortar o coração!
O uso de relógios atômicos em aviões comprovou a teoria da dilatação gravitacional do tempo. Os relógios que estavam dentro dos aviões apresentavam maior rapidez na passagem das horas em relação aos que estavam no solo. Experiências em laboratório também mostraram essa diferença em alturas menores que um metro. E mais, análises e observações de espectro da anã branca Sirius B e e experiências com sinais de tempo enviados para a sonda Viking e recebidos dela comprovaram essa teoria. Ou seja, o tempo é, definitivamente, relativo.

Realidade pentadimensional
Uma das teorias que mais assombra os cientistas atualmente é a Teoria do campo unificado, proposta por Einstein, que tentou unificar as teorias da relatividade geral com o eletromagnetismo. Embora tenha passado seus últimos trinta anos debruçado na elaboração da teoria, havia mais coisa ali que ele não conseguia captar.
Sabe-se que vivemos em um universo tridimensional (altura, largura e profundidade) e que a quarta dimensão seria o tempo. Mas, e a quinta dimensão, qual seria? Essa é a dúvida que perturba e gera discussões dentro da comunidade científica atualmente. A resposta parece estar relacionada a duas questões: a descoberta do gravítion (através do LHC, ou Large Hadron Collisor - Grande Colisor de Hádrons) e a possibilidade de acesso a realidades e universos paralelos.
No filme, “Eles” foram os responsáveis por colocar o buraco de minhoca próximo a Saturno, para que a humanidade pudesse ter uma chance de acessar outro universo e encontrar uma nova morada. Essa civilização seria altamente avançada e pentadimensional e teriam enviado o wormhole em formato tridimensional para que o acesso fosse possível. E a grande dúvida que ainda fica na cabeça de muitos é exatamente essa: quem eram “Eles”? Nós mesmos no futuro ou outra raça?
Há certo consenso entre os cientistas de que há muito mais que cinco dimensões, porém, ou elas podem ser subatômicas e não somos capazes de enxergar ou somos infinitamente inferiores e estamos presos em um subespaço da dimensão inferior do Universo. Quem sabe, até exista alguma civilização muito mais avançada que compreenda e manipule cinco ou mais dimensões. Ou, como no filme, quem sabe possamos evoluir ao ponto de entender e trabalhar com cinco ou mais dimensões.

O Paradoxo de Bootstrap
Um conceito que ficou escondido nas entrelinhas do filme é sobre o Paradoxo de Bootstrap (quem leu nossa resenha sobre a série Dark já sabe do que se trata). No filme, “Eles” somos “Nós” do futuro, ou seja, evoluímos o suficiente para descobrirmos e compreendermos outras dimensões e, assim, sermos capazes de colocar o buraco de minhoca próximo à Saturno, dando esperanças à humanidade. Para entendermos a questão, vamos chamar o “nós” do presente como AGORA e o “nós” do futuro como AMANHÃ.
AGORA não teria conhecimento e tecnologia suficientes para fazer isso no presente e, assim, não haveria o buraco de minhoca. Por outro lado, caso conseguíssemos evoluir, poderíamos nos tornar AMANHÃ e sermos capazes de criar esse wormhole no futuro para que AGORA pudesse ter uma chance de sobrevivência.
Por outro lado, para que AMANHÃ pudesse existir, AGORA precisaria ter imediatamente o acesso ao wormhole para sobreviver e se tornar AMANHÃ. Ou seja, AGORA precisaria de tempo para se tornar AMANHÃ, mas não teria esse tempo, logo, AMANHÃ não existiria. E, se AMANHÃ não existe, AGORA não teria chances de sobreviver.
Senti cheiro de fumaça nos neurônios da galera agora (aqui, também). Então, como resolver essa salada de frutas? Talvez, a resposta esteja na chamada Teoria de Tudo, o Santo Graal dos cientistas. Se descoberta, essa teoria poderia solucionar muitas dúvidas e trazer nova compreensão sobre os mistérios do universo e, quem sabe, permitir descobertas inimagináveis.
Em linhas gerais, Interestellar conseguiu nos mostrar com grandiosidade o quão pequenos e insignificantes somos no contexto do universo e que estamos apenas engatinhando em nosso processo evolutivo. Há muito a se descobrir e compreender e, certamente, quando tivermos alcançado nosso potencial máximo, seja até tarde demais para usufruirmos dos benefícios. Ou, quem sabe, o AGORA consiga se tornar AMANHÃ e manter nossa espécie ainda em atividade em outro universo.
ALERTA DE SPOILER!!!
Há fortes rumores que Interestellar 2 já está sendo produzido nos bastidores e que começará imediatamente de onde terminou, ou seja, com Cooper indo atrás de Amelia, que ficou no planeta de Edmonds. Inclusive, poderemos ver a colonização da raça humana no planeta e (rufem os tambores) saber como o “Nós” do presente evoluímos até nos tornarmos “Eles” no futuro… já pensou?
Ciência e neurônios fritados à parte, qual sua opinião sobre Interestellar? Qual conceito ainda ficou obscuro para você? Deixe nos comentários. Nos vemos na próxima viagem estrelar!
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