Os Pequenos Vestígios - Crítica SEM SPOILERS
- D. C. Blackwell
- 4 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Meus amigos, que filme sensacional!
O longa estreou durante esta semana e conta com um elenco monstruoso: Denzel Washington é Deke, um policial veterano que acaba se envolvendo por acidente com o caso do detetive de homicídios Baxter, interpretado por Rami Malek. Eles acabam trabalhando juntos num caso de homicídios múltiplos que remete ao passado de Deke, cuja motivação é encontrar o assassino em série que arruinou sua carreira e causou seu divórcio, interpretado (e isso não é spoiler porque até mesmo os trailers mostram) pelo ilustre Jared Leto, no papel de Albert Sparma.
Este é um filme agridoce e pessimista que toca no âmago de qualquer indivíduo com um mínimo de empatia. No tocante a Deke, mostra como um trabalho tão horrendo pode nos corroer por dentro – o contato com tanta maldade, tanta violência, e a noção de que a luta contra o crime é um nado contra a maré, uma batalha que jamais será vencida, acaba destruindo qualquer ser humano. Especialmente quando o humano é alguém como Deke, que recorda cada caso, guarda cada lembrança, mantém-se internamente e eternamente responsável pelas vidas que dependem de seus casos e jamais, JAMAIS se perdoa por um erro.

Baxter é o outro lado da mesma moeda. Analítico, jovem e comedido, e representa com era Deke no passado, antes de ter sua vida destroçada pelos ossos do ofício. Casado e com duas filhas, exatamente como Deke foi um dia, Baxter ruma em uma jornada em direção contrária a Deke, ou melhor, em direção ao presente dele. Rami Maek e perfeito e brilhante em sua atuação: Austero, solene, profissional... Um homem forte cuja sua única fraqueza é se importar demais com seu trabalho, como deveriam fazer todos os agentes da lei.
Albert é um daqueles caras que, quem conhece bem o mundo dos crimes e as séries sobre serial killers, como MindHunter, reconhece de longe. Seu visual se inspira em Charles Manson, e, em sua estante, jaz o famigerado livro Helter Skelter, que cimenta essa minha teoria. O homem é um estudante voraz das “artes” serial killer, bem como do modus operandi dos policiais. Ele está sempre a um passo a frente porque se preparou a vida inteira para ser como é. Treinou para nunca ser capturado, mantém-se informado com rádio da polícia, além de ser um exímio manipulador.

A caçada a Albert Parma é intensa: não sabemos realmente quais são seus limites intelectuais e criminosos. Durante quase todo o filme, ele demonstra ser tão superior, tão enigmático, que desperta um verdadeiro caos no coração do espectador, bem como no dos personagens. A tensão de se estar lado a lado com um homem tão vil e tão astuto, sem saber qual será seu próximo passo, a noção de que ele manipula a todos com maestria e perfeição, e, mesmo sabendo desta manipulação, nada se pode fazer, é impressionante. De gelar o estômago, para falar a verdade. Este é um dos primeiros thrillers policiais que realmente me empolgaram e me mantiveram prendendo a respiração na frente da telona.
Sobre o nome do filme, “Os Pequenos Vestígios” - AVISO DE SPOILERS À FRENTE
O título do longa remete a uma série de coisas dentro da obra. A primeira delas, a mais óbvia, é a que se refere aos erros que o próprio serial killer pode cometer. Prova disso é que eles o descobrem através dos detalhes minuciosos descobertos por Deke. Mais além, as pequenas coisas são usadas por Albert para manipular Baxter a seu favor - embora o abuso dessa manipulação tenha levado à sua morte, o que nos leva à terceira vez em que pequenas coisas fazem a diferença. No momento mais cinzento e agridoce da trama, Baxter acidentalmente mata Sparma com uma pá durante um monólogo do vilão. Monologo este que foi brilhante, quase atingindo um nível da cena da caixa de Se7en, com aquelas provocações e ameaças a respeito da família de Baxter. Eu realmente fiquei muito nervoso achando que a família dele estava mesmo em perigo, e que aquele serial killer brilhante tinha sido capaz de uma das peripécias mais horrendas possíveis, mas não – graças a Odin! Esse momento me pegou de jeito. E o que dizer, então, sobre o final do filme, momento em que Deke ajuda Baxter a livrar-se de todas as evidências do crime, tendo jamais solucionado o mistério de todas aquelas mortes, sem poder levar o criminoso à justiça. De certa maneira, foi uma grande derrota.

O vilão pode ter sido encontrado, mas a Justiça foi severamente comprometida: o bem venceu o mal-usando dos artifícios do mal. Baxter deve viver o resto de seus dias com a consciência suja por não ter sido capaz de fazer seu trabalho, infringindo a lei e provando que ele não era o homem que pensava que era. Seu único consolo é saber que pegou o cara certo, porém, será que era mesmo? Sempre haverá um resquício de dúvida em sua mente, e sempre haverá a culpa de ter agido como juiz, júri e algoz de seu inimigo, colocando-se acima da lei e acima de tudo o que ele acreditava. No fim, Deke é o futuro de Baxter, e Baxter é o passado de Deke. Tudo se repete nesse ciclo de ódio e de violência e injustiça no qual vivemos. A lei é cega e serve a quem melhor se utilizar dela, não distinguindo entre bons e ruins. E pior de tudo: seu mal-uso distorce as coisas e corrompe os homens. Pode-se dizer que Sparma venceu, afinal. Pois são as pequenas coisas que fazem a diferença. São os detalhes que dizem quem somos. É nos detalhes que um homem bom se torna mau.
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