"Um homem entra num trem e morre" - Colateral
- D. C. Blackwell
- 27 de jan. de 2021
- 4 min de leitura
O longa de Michael Mann, lançado em 2004, foi o pontapé inicial da carreira de Jamie Foxx, que teve uma quantidade incrível de indicações aos mais diversos prêmios, incluindo o Oscar e o BAFTA. A trama é bem simples: um assassino de aluguel pega um taxi, no qual planeja os assassinatos daquela noite. Porém, a história não é sobre esse homem, e sim sobre o inocente taxista, Max Rhudoger.
Max é um homem bom, humilde, empático e amigável que, pelas pressões da vida, acabou nunca dando um passo em direção aos seus sonhos. Ele diz que seu emprego como taxista é temporário, mas está nele há 12 anos. Ele é humilhado pelos passageiros e pela empresa de táxi, e a sua super preparação para realizar seu sonho de abrir uma empresa de limousines acabou se tornando uma desculpa para nunca tomar a dianteira na sua vida. Como o próprio assassino Vincent diz, ele poderia ter pegado um empréstimo e alugado um carro, era tudo o que precisava para começar, com o talento e experiência que tinha.

E é apenas com a interrupção de Vincent em sua rotina tranquila, seu eterno ciclo onde nada é atingido, mas tampouco não há decepções, que Max acaba sendo forçado a agir. Vincent, enojado e desiludido com a sociedade, lhe diz, logo no começo, que ouviu uma história de um homem que morreu no trem e que foi descoberto horas depois, quando o itinerário acabou. Seu argumento: ninguém liga. Ninguém vê. Somos tão individualistas e egocêntricos que apenas pensamos em nós mesmos e não damos a mínima para o próximo. E agora, meus amigos, em tempo de crise, distanciamento social, divergências políticas e filmes atrás de filmes falando sobre o mesmo assunto, como Taxi Driver e Coringa, eu te pergunto: e tá errado?
O nosso amado taxista, entretanto, é um contraponto na visão de mundo de Vincent. Quando a primeira morte ocorre, Max surta e lhe pergunta o que aquele homem tinha feito, por que merecia morrer. Vincent dá uma verdadeira palestra sobre hipocrisia, afirmando que, se Max não tivesse presenciado aquela morte, sua vida seguiria normalmente e ele não perderia uma noite de sono. Não obstante, pessoas morrem injustamente o tempo todo, mas Max, assim como nós, na maioria, não ficamos amargurados, pensando em tudo isso, sofrendo pelos inocentes. Ninguém é tão altruísta assim, ouso dizer. Max, porém, sofre o efeito contrário ao longo dos eventos que se seguem, mostrando que, mesmo não sendo perfeitos, somos capazes de melhorarmos e corrigirmos nossa forma de ver a vida e o mundo.

Este momento ocorre, mais precisamente, quando Max para o carro, sabendo que Vincent tem uma arma apontada na sua cabeça, num ponto da corrida em que já não há mais volta, apenas para que um grupo de animais possa atravessar a rua em segurança. Vincent observa, pasmo, a firmeza e a pureza na atitude de Max, e é nesse exato momento, com uma cruz sutil de algum hospital passando ao fundo, que o diretor nos mostra que Vincent já não mais acredita nas próprias palavras e, portanto, pretende poupar a vida de Max no final - algo que não aconteceria normalmente, conforme os relatos dos policiais no começo do filme. Prova disso é que Vincent "salva" Max atirando no policial que o está levando, achando que era alguém tentando matá-lo.
Sobre Vincent, ele não é muito diferente de algumas pessoas por aí. Gente que percebeu que não significava nada para ninguém, gente que nunca foi vista e nem será, gente solitária. Ele tem esse emprego como assassino porque ele pode e ninguém o para. Ninguém está realmente obstinado a capturar um assassino num mar de criminosos, numa cidade onde uma morte é tão relevante quanto uma gota de chuva. Vincent fez as pazes com esse abandono e devolveu o troco ao mundo. Ele é um produto da sociedade, moldado pelas atitudes desta como um todo, uma formação natural do nosso sistema. Max lhe pergunta: "O que há de errado com você? Como se tornou nisso?", e a resposta é: o mesmo que acontece com todo mundo. Só que ele reagiu de maneira diferente. Max se encolheu diante da sociedade, enquanto Vincent decidiu esgueirar-se por ela.
Ah, e um detalhe importantíssimo: notou a fotografia do filme? Ela não te pareceu um tanto… Crua? Seguramente isso foi feito de propósito, pois, afinal, a grande sacada dessa trama, e seu grande objetivo também, é dar a entender que essas coisas podem acontecer com qualquer um. Todo mundo está sujeito a uma espécie de provação de seus valores, de suas atitudes. Max deu azar e sorte ao mesmo tempo, porque através da intervenção de Vincent, ele pôde perceber tudo o que estava perdendo na vida. Ele mesmo afirma que nunca havia parado para avaliar sua situação, ou seja, vivia sem refletir ou entender a posição em que se encontrava, não se dava conta de que estava rumando ao fracasso simplesmente por medo de sair da zona de conforto. Ele sempre teve tudo o que precisava para alcançar seus sonhos, bastava-lhe apenas essa percepção de que tudo pode acabar num piscar de olhos. A vida é efêmera e frágil, e nos pode ser tirada a qualquer momento, por isso devemos aproveitar cada segundo. Faça planos, mas não sucumba a eles. Seja cauteloso, mas sem deixar a vida passar. Um homem entra num trem e morre, ninguém percebe. Mas será que esse homem percebeu a própria vida passar?
Será que ele ao menos viveu?
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