Vivarium e a alegoria da família tradicional
- D. C. Blackwell
- 17 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2021
O bom terror é aquele que remete aos medos mais profundos do ser humano. E Vivarium é um ótimo exemplo de terror existencialista que toca no cerne do conjunto de medos que sobrevoa a ideia de uma família e uma vida perfeitas. Munido de uma série de simbolismos espetacularmente bem trabalhados, o longa assusta mais no que tange a realidade do que a ficção, especialmente depois que entendemos o real significado de todos os elementos metafóricos da obra.
“- Eles não podem fazer seus próprios ninhos?
- É assim que as coisas são.
- Não gosto de como as coisas são”
Vivarium pode ser traduzido como “local onde animais são mantidos para fins de estudo ou testes”, ou seja, o filme em si é uma espécie de experiência. O casal protagonista é colocado em um tipo de teste quando entra nos condomínios Yonder e, sejamos honestos, quem ou o quê controla esse lugar não importa de verdade. O (sádico) espetáculo aqui é a dupla Tom e Gemma, e a maneira como eles lidam com a vida “perfeita” que lhes foi dada à força.
“Mas tio Blackwell, como é que a vida deles era perfeita?”

Para começar, o filme todo é uma grande crítica – ou no mínimo um estudo – à perfeição. Note que um dos conceitos de perfeição é a simetria. E no longa, temos o que? Casas iguais, nuvens idealizadas e estagnadas, dias sem vento ou calor ou frio, quartos pré-fabricados e com cores padrão (azul para meninos, rosa para meninas)... Até mesmo a comida segue essa definição de perfeição que supervaloriza a estética, mas que, no fundo, tira todo o sabor da vida – da mesma maneira que os morangos de Tom tinham gosto de papelão, os dias em Yonder são todos perfeitos e sem graça.
“Esta casa é para sempre”
A psicologia das cores foi bem utilizada na obra, mesmo que repetida constantemente por causa do cenário “perfeito”. As casas do condomínio Yonder são verde-abacate, uma cor que incomoda aos olhos, especialmente quando vista em níveis tão absurdos. Outro exemplo desta prática é a cor da camisa de Tom no início do filme. Ela é amarela e intensa, representando o espírito jovial e alegre do rapaz, e quando Gemma ordena que ele troque de roupa, ele muda para um cinza sem vida, nulo, contido. Isso também sugere uma relação de “dominante/dominado”, que será melhor ao longo de toda a trama: Tom é ou se torna um homem frustrado por sentir-se inibido por sua esposa em vários momentos.
“Criem a criança e sejam libertados”

Esta parte do filme é a mais real. Nela, somos apresentados à criança sem nome, que cresce exponencialmente e imita os comportamentos e as falas do casal. Com o tempo, passa a chamá-los de pai e mãe, mesmo que estes o reneguem até o fim. O garoto é um símbolo, assim como todas as outras coisas estranhas no filme. Ele representa a gravidez indesejada, a criação por obrigação, a dificuldade de entender e criar um filho... É neste trecho da obra que começamos a perceber que estamos observando um casal novato tendo dificuldades com as suas escolhas na vida, ou melhor, aquelas escolhas que são irreversíveis – ao menos aos olhos da família tradicional. A casa verde para onde eles sempre voltam tem aquela sensação de prisão, aquele lugar pacífico do qual eles não conseguem escapar, mas eles se sentem assim porque já não suportam a rotina maçante que, convenhamos, não é tão diferente da vida real na maioria dos casos. Se tirarmos os elementos sobrenaturais, temos: uma mãe de primeira viagem que luta para aceitar as responsabilidades e intrinsecidades de criar e entender seu filho; uma criança em plena fase de desenvolvimento cognitivo que nada mais pode fazer do que repetir as atitudes de seus pais e gritar quando não consegue se fazer entender; e um pai imaturo que não consegue lidar com a pressão de cuidar de uma família e que se afunda cada dia mais num buraco, que pode representar uma vida inteira de trabalho em busca de um sonho inalcançável ou o próprio vício do cigarro – ou ambos.
“- O que uma mãe deve fazer?
- Ela deve criar seu filho.
- E depois?
- Morrer”
As crianças se tornam aquilo que seus pais ensinam a elas. Ódio e rejeição fizeram do pobre garoto mais um monstro da Yonder. Tudo o que Gemma e Tom podem fazer agora, assim como qualquer outra família, é relembrar os velhos tempos enquanto colhem os frutos – doces ou terrivelmente amargos – das suas escolhas. Mas antes de desistir, Gemma tenta fugir uma última vez, tendo vislumbres de outros casais que também acabaram em Yonder, cada um deles lidando com suas próprias decisões dentro daquele espaço artificial cósmico. No fim das contas, Gemma e Tom falharam no teste, assim como nossos pais falharam em certos aspectos, e assim como os pais deles também o fizeram.
“Você se lembra do vento, Gemma?”
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