Conan 2011: a Joia Perdida de Acheron
- Ana Franskowiak
- 25 de mar. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de mar. de 2021
Saudações Cósmicas e permitam-me contar uma breve história ambientada não nos dias em que os oceanos tragaram Atlântida e se ergueram as crias de Aryas, mas na familiar e não tão distante década de 90.
Era uma vez uma criança hiperativa. Louca por histórias de aventura e mais louca ainda por ver seu herói (e heroína também, mas já chegaremos lá) preferido no cinema, contrariando coleguinhas que insistiam que isso já havia acontecido, conforme anunciado na finada Tela de Sucessos. Entretanto, um repertório de leituras clandestinas (leia-se, histórias em quadrinhos para um público mais adulto) escudado por antigas enciclopédias, a impedia de concordar com semelhante assertiva. A criança em questão cresceu (nem tanto), transpôs para o papel as aventuras que sua mente inquieta ansiava assistir, e eis que no ano de 2011, deparou-se com a realização de seu longo anseio.

Por Crom! O desenho, mais precisamente, de Rafael Kayanan, e ganhou vida! Os figurinos, as falas, os cenários, as interpretações… o Conan de Marcus Nispel viera trazendo tudo que tanta falta me fez na adaptação de 1982 de John Milius do mais pródigo filho de Robert E. Howard, único dentre meus autores preferidos que literalmente me fez - e ainda faz - arrepiar com sua escrita. Tais arrepios tiveram lugar durante a apreciação da película que vi e revi por vezes sem conta e, por esse motivo, qual não foi minha surpresa ao tentar contar ao mundo minhas impressões, tal como é costume fazer quando algo nos toca profundamente, e em resposta receber zombaria e até mesmo discursos de ódio? Mas o que, Sangue de Ymir, havia de tão errado com o filme que, para meus exigentes parâmetros conanmaníacos havia se apresentado quase impecável exceto pela trilha sonora, ou ausência dela?
A resposta não estava só nas telas, mas nas páginas muito anteriores às dos quadrinhos consagrados, em grande parte por John Buscema e Roy Thomas, no início do século XX, na memorável Weird Tales que deu voz a tantas histórias de aventura e terror, sendo que muitas delas foram traduzidas posteriormente para a linguagem da HQ em clássicos como a Espada Selvagem de Conan, Conan Saga e Conan Rei. E na distância que tais fanáticos inábeis ao diálogo saudável ainda que com discordâncias, haviam mantido delas. Uma distância maior que aquela separando os Sertões Pictos das quase míticas Khitai e Vendhya.

Contrariamente à fala vazia e saudosista de quem se nega a conhecer aquilo que critica cega e violentamente, esse texto não é um discurso de ódio contra o Arnie, ou quaisquer pessoas envolvidas na produção do filme de 1982, que, obviamente possui pontos altos, a exemplo da aludida trilha sonora insuperável de Basil Poledouris. Ocorre apenas que o eterno Terminator ou John Matrix poderia se afigurar muito melhor na pele de um bárbaro qualquer (oi, Kalidor! Mande lembranças à Sonja quando a vir) que não o Gigante de Bronze pelas razões expostas a seguir. Guardem seus machados e similares, encham as canecas e permitam-me falar sobre histórias de altas aventuras (versão brasileira Marshmellow!).
É importante pontuar que onde houver remake, haverá comparação. A questão é em quais critérios ela se baseia. Embora eu discorde de certos exercícios futurológicos, especialmente tratando-se de uma situação que nunca ultrapassará o âmbito imaginário, suspeito que Howard, teria preferido a representação mais recente do cimério com base na descrição que ele nos apresenta em sua obra: pele brônzea, cabelos negros e olhos claros. Azuis para falar com exatidão, mas um detalhe ínfimo diante dos outros pontos positivos do filme de 2011, referentes não apenas a aparência física.
Conan não é bom nem mau. Tampouco uma montanha de músculos que quebra coisas para exibição de força, proferindo frases de conteúdo discutível que se pretendam de efeito. Trata-se de um dos personagens mais complexos e ambíguos já criados; um destruidor não apenas de obstáculos físicos se, e somente se necessário, como também e principalmente, de estereótipos, conforme se ressaltam em tantas histórias, sua notável nobreza e profundidade filosófica, superior às de muitos reis e eruditos. Forte, sim, porém igualmente sagaz e observador. Como os grandes felinos cujo comportamento Jason Momoa alegou ter estudado ao se preparar para encarnar o personagem.
De uma taverna no litoral de Zingara ou Argos a desertos e trilhas montanhosas percorridas pelo séquito de um mago sequioso de poder infinito, passando por templos etéreos e florestas nevadas de coníferas. O continente hiboriano não poderia estar mais bem representado. Se, por um lado, Khalar Zym e seus motivos parecem tão genéricos quanto os de Thulsa Doom ou Thot Amon, tal fato não prejudica o bom andamento da história, podendo mesmo ensejar sequências que os explorassem mais profundamente. A vastidão de cenários, criaturas e coadjuvantes presentes no universo de Robert E. Howard não caberia sequer em uma trilogia, fomentando a esperança de, talvez, um dia, vermos em uma série, personagens icônicas como o Devorador de Almas, Akivasha e (principalmente) Bêlit, Rainha da Costa Negra que jamais teve o merecido destaque, sendo parte de sua história incorporada à de Valéria no Conan de 1982. E que poderia ter aparecido no filme de 2011, associada a Arthus, que, por sua vez, poderia ter se chamado Zula. E, uma vez que estamos falando de coadjuvantes, digo que Tamara, apesar dos ares de pitonisa/vestal, não me repele e tampouco cativa, ao contrário de Marique, Ela Sham, a quem tomamos por um descartável equivalente de Subotai num primeiro momento, e Corin, pai de Conan (talvez por me remeter a outro personagem do qual também gosto muito, tanto dos filmes quanto dos quadrinhos…).
Na ausência daquilo que, ao meu gosto se afiguraria a perfeição, leia-se, o filme de 2011 com a trilha sonora de 1982, resta-me pedir à deusa Ishtar com quem o Cimério já perambulou por uma cidade arruinada em busca de sua joia perdida (ou à Máscara de Acheron assim que eu reunir os demais ingredientes para o feitiço…) que um dia a grandiosidade hiboriana seja retratada em todos os aspectos, remetendo da telona para a HQ e dela para os contos, caminho inverso ao trilhado por mim em minha conanmania. E que, assim, as pessoas possam rever com outros referenciais o filme de 2011, quem sabe, reconsiderando ideias pré-concebidas.
Orem a Crom, mandem-no bem longe caso ele não atenda, leiam Howard e do widzenia!
Achei muito bom o filme de 2011 e penso que acertaram na escolha de Jason Momoa para o papel de Conan... muito embora parte da crítica tenha pego pesado nos comentários sobre o filme e alguns atores e atrizes escalados.
Confesso que só vi o Conan com o Arnold Schwarzenegger, mas ler esse artigo realmente me deixou com vontade de ver o filme de 2011. Ainda não deu no jeito, mas uma hora dá!